terça-feira, 10 de maio de 2011

perdido no som

I

os bolsos de ontem vazios virados
do avesso quadrado de papel azul
última cinza clara o que era sobra
ternamente presa por tinta invisível
a certeza de que o que estava dito
já não estava em ti, como impreciso
grão de areia em ampulheta nunca
se fizera tempo, na própria sombra
se encolhera mas tu prossegues

II

não como o baterista que se engana
e pára um pouco para recomeçar ou
o jogador de monopólio que regressa
à casa de partida nenhuma destas coisas
eu sei que tu és daqueles que recomeça
como quem regressa não pelo caminho novo
antes acumulando em diferentes bolsos tudo
o que te precede como no meio da tempestade
de inverno aquele que pára para olhar para
trás e o outro que se sabe procurado pelo olhar
e é forçado a virar-se há um ponto em que
ambos se encontram e é um ponto em suspenso
na distância, silenciosa imprecisa forma de diálogo

III

procura-lo desligado de todos os fios
em sinais que talvez reconheças o isqueiro
azul sobre a mesa que na verdade é apenas
tábua a metálica máquina de escrever pousada
os dedos sobre ela pousados pianista nervoso
que não está na música há uma espessura
nos dias em que pousamos com passo de
sombra lugares de passagem amantes
que nunca foram nossos zonas de sombra
destroços que cedemos à imaginação

IV

o que tu podias saber não avança como
eco a que se agarra a próxima palavra
afunda-se como garra não chega a fazer
sentido porque na verdade são muito poucas
as coisas a que se crava timidamente chega
apenas a pousar ao de leve os dedos desenha
invisível forma a que nunca se conforma
não argumenta embora faça muito barulho
como som de pequenas asas contra o vidro
pássaro que por engano tristemente se fizera
preso guardas no bolso o isqueiro e sais

V

parece-te que nunca será noite que chegue
este lastro de azul e negro, manto que se
afunda nas horas ciclicamente, querias
embora nunca tivesses tentado caminhar
para fora do círculo a vermelho desenhado
no pátio mas desta vez não tornarás a pousar
a cabeça no seu colo a ti próprio deixaras
no bolso pequena nota em que te obliteraste
em que apagaste um pouco a custo o nome
a caneta riscado tentaste-te com a teimosia
de bicho preso que contra a parede cego se lança

VI

tentaste-te contra coisas feitas de nada cujo
significado te vai fugindo contra a noite
na sua última cor que se descola como
papel de parede em quarto húmido
duas ou três palavras no papel azul
a imprecisão dos números tende a tornar
os lugares menos concretos o peso
da chuva entre os ramos oscilando com
o peso – o som – tu és se alguma definição
fosse útil um lugar perdido no som

Tatiana Faia

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