I lie down. I become darkness.
Ted Hughes, “Gog”
I
um sinal por que o reconhecesse um sinal combinado
a nota mais aguda de um assobio três pequenas
pedrinhas lançadas à janela batendo ao de leve
como passos enterrando-se na noite na sua areia
movediça um sussurro pela calada e a imbecilidade
do namorado que ouvindo mal te pedia que repetisses
o segredo sussurrado ao ouvido nós vamos aos recantos
que o tempo mais afundou na memória e eles são
esta espécie de espelhos quebrados meio enterrados
na areia de que só chegamos a ver o fragmento do fragmento
II
tu regressas com a queda do outono as primeiras
aparas de madeira desse boneco esculpido a canivete
cachimbos acesos para conversas em alpendres
tu eras disponível que não é o mesmo que fácil
a mão distraidamente pousada sobre a mesa
semi-aberta assim nenhum gesto ficava fora
do teu alcance a possibilidade de tudo em inércia
descíamos por jardins cobertos de nevoeiro
despidos de cor as nossas sombras coladas
aos charcos do entardecer assim guardamos
as horas repetimos os mesmos gestos enterras
a mão dentro do casaco à altura do peito
III
qualquer coisa no gesto que te denunciasse
que me deixasse ver-te e não importa o quê
o mau hábito de estudar avidamente as pessoas
ansiosamente como gente que não pode deixar
de roer as unhas compulsivamente testar
as consequências inúteis de cada aposta mental
IV
somos o esboço de outras imagens
com esforço desarrumamos a sala
trocamos o lugar das cadeiras quando
eu regressar já será muito tarde de cansaço
terás adormecido o lento cerrar do escuro
em redor das pálpebras ao ouvido hei-de
sussurrar-te que não és hamlet que este
não é o reino da dinamarca talvez me
respondas com uma ponta de tristeza
na voz uma pequena mácula que guardarei
para mim que permanecerá entre nós
em suspenso é verdade temo-nos usado
V
como o ruído do oceano preso nos recessos
do búzio girando em torno preso um pequeno
mar interior encurralado golpeia-te com uma força
incisiva destruidora silenciosa e admiras
a sua teimosia a linha por que se conduz
e em que pára como um adversário temível
e excelente cuja animosidade te honrasse
os nossos mares em miniatura e as suas marés
obliterados em bilhetes para viagens
indo connosco onde quer que vamos fragmentos
os seus sinais as frases que sublinhamos
em livros apontamentos a vermelho à margem
VI
a caneta há-de tornar a oscilar-te nas mãos
tentarás prender tudo aquilo de que desististe
como o vento se prende nas varandas às cordas
de roupa às flores nos vasos ao baloiço do jardim
a presença que só existe no ruído porque o silêncio
nos torna unos com a noite de dia tornaremos
a contar-nos mutuamente um do outro teremos
visto o rosto o que diremos será como a energia
dispensada no desarrumar da sala a sucessiva
mudança de lugar que podemos impor aos objectos
mas somos imóveis resolutos nas nossas vontades
a nossa imobilidade coincide com a noite e o silêncio
se o tema da arte for a vida estaremos para sempre
presos às pequenas diferenças iniciais às variações
infinitesimais de cor ou luz nas coisas aos pormenores
que pudessem definir a nossa corrida por linhas
rectas os nossos incompletos labirintos de creta
Tatiana Faia
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