quinta-feira, 14 de abril de 2011

Carpe diem























Os dois descalços na calçada de pedra preta, braços em torno dos ombros. Olham para as sapatilhas penduradas na corda. Um diz: E agora como é que as tiramos de lá? Esta alegria a nada presa que a primavera traz com o seu contágio de todas as cores, de todas as flores, mesmo quando na cidade por estes dias a estação nova parece coisa menor porque tudo devia ser caso melancólico e triste. Nós passamos. Às vezes passamos pelas coisas mais penosas (não as mais dolorosas, nessas submergimos quase histericamente) e é só esta travessia onde o nosso coração não se prende, não se quer prender, porque a sua âncora são outras coisas, porque por vezes ainda somos melhores que as nossas circunstâncias, recusamo-nos a que elas nos definam. Que sejam elas a dizer-nos és isto ou és aquilo. E nós para elas: não, merda, não.
***
No ferry entre Paros e Naxos imaginei que havia uma hora em que podia dizer, respondendo à pergunta de um estranho, écheis óra?, e desprezando o relógio, ochi, den echo óra. Por vezes isto, não estar preso ao tempo, à circunstância, poder só olhar em frente. Uma pausa para respirar rente ao oceano, mesmo onde a orla da espuma rasa a areia. Depois regressaremos. Resistir sem grande alarido, pacientemente.
***
Acho que perdi nesse ferry as últimas dracmas que tinha, em Naxos passei fome antes do regresso. Mas é de outras coisas que tenho medo: como as garras cortadas, o rádio desligado, ficar sem música (o que invalidaria para sempre a hipótese do verso let's dance to keep the fear away). Vital é renunciar a que outros nos façam demasiado tristes com o nosso curvado e amarelo aceno de profunda concordância e manso assentimento. Porque se Heitor ainda disse a Andrómaca, quando pela última vez a viu nas muralhas de Tróia: Mulher maravilhosa, não me entristeças demasiado o coração, não há homem que contra a vontade do destino à própria morte escape. Porque se esse homem não há, nunca houve, então isto é a maneira de dizer, como Marguerite Yourcenar nas últimas linhas de Memórias de Adriano, Entremos na morte de olhos abertos.
Que é como quem diz uiuamos atque amemus, rumoresque senum seueriorum omnes unius aestimemus assis, soles occidere et redire possunt, nobis cum semel occidit breuis lux, nox est perpetua una dormienda.

Sem comentários:

Enviar um comentário