Quando a minha mulher era viva, eu costumava pensar que quando ela morresse teria mais espaço para mim. Imagine-se só toda a sua roupa interior, pensava eu, que enche três gavetas inteiras da cómoda. Vai haver espaço para as minhas moedas de cobre numa das gavetas, para as minhas caixas de fósforos na outra gaveta e para as minhas rolhas na terceira. Isto agora está um caos, pensava eu.
E então ela morreu, já faz muito tempo. Era uma pessoa exigente, mas que descanse em paz, uma vez que me deixou em paz finalmente. Esvaziei gavetas e prateleiras e armários de tudo quanto ela deixara, e fiquei com imenso espaço vazio, mais do que seria capaz de usar. E o que está vazio, vazio está. Por isso, desfiz-me de um par de armários. Mas o resultado é que em vez de dois armários vazios fiquei com o quarto inteiro mais vazio. Foi uma imprudência da minha parte, mas ocorreu, como disse, há muito tempo, e nessa altura eu era bastante mais novo.
Kjell Askildsen, Um Repentino Pensamento Libertador, tradução de Mário Semião, Ahab Edições, Porto, 2010
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