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quinta-feira, 14 de abril de 2011

Carpe diem























Os dois descalços na calçada de pedra preta, braços em torno dos ombros. Olham para as sapatilhas penduradas na corda. Um diz: E agora como é que as tiramos de lá? Esta alegria a nada presa que a primavera traz com o seu contágio de todas as cores, de todas as flores, mesmo quando na cidade por estes dias a estação nova parece coisa menor porque tudo devia ser caso melancólico e triste. Nós passamos. Às vezes passamos pelas coisas mais penosas (não as mais dolorosas, nessas submergimos quase histericamente) e é só esta travessia onde o nosso coração não se prende, não se quer prender, porque a sua âncora são outras coisas, porque por vezes ainda somos melhores que as nossas circunstâncias, recusamo-nos a que elas nos definam. Que sejam elas a dizer-nos és isto ou és aquilo. E nós para elas: não, merda, não.
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No ferry entre Paros e Naxos imaginei que havia uma hora em que podia dizer, respondendo à pergunta de um estranho, écheis óra?, e desprezando o relógio, ochi, den echo óra. Por vezes isto, não estar preso ao tempo, à circunstância, poder só olhar em frente. Uma pausa para respirar rente ao oceano, mesmo onde a orla da espuma rasa a areia. Depois regressaremos. Resistir sem grande alarido, pacientemente.
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Acho que perdi nesse ferry as últimas dracmas que tinha, em Naxos passei fome antes do regresso. Mas é de outras coisas que tenho medo: como as garras cortadas, o rádio desligado, ficar sem música (o que invalidaria para sempre a hipótese do verso let's dance to keep the fear away). Vital é renunciar a que outros nos façam demasiado tristes com o nosso curvado e amarelo aceno de profunda concordância e manso assentimento. Porque se Heitor ainda disse a Andrómaca, quando pela última vez a viu nas muralhas de Tróia: Mulher maravilhosa, não me entristeças demasiado o coração, não há homem que contra a vontade do destino à própria morte escape. Porque se esse homem não há, nunca houve, então isto é a maneira de dizer, como Marguerite Yourcenar nas últimas linhas de Memórias de Adriano, Entremos na morte de olhos abertos.
Que é como quem diz uiuamos atque amemus, rumoresque senum seueriorum omnes unius aestimemus assis, soles occidere et redire possunt, nobis cum semel occidit breuis lux, nox est perpetua una dormienda.