Qualquer escritor é útil ou nocivo, um dos dois. É nocivo se escrever uma porcaria, se deformar ou falsificar (mesmo que inconscientemente) para obter um efeito ou um escândalo, se se conformar, sem convicção, com opiniões em que não acredita. É útil se fizer aumentar a lucidez do leitor, se o desembaraçar da timidez ou de preconceitos, fazendo-o ver ou sentir aquilo que não teria visto nem sentido sem ele. Se os meus livros forem lidos e atingirem uma pessoa, uma que seja, e lhe trouxerem qualquer ajuda, nem que seja por um momento, considero-me útil. E, como acredito na duração infinita de todas as pulsões, e que tudo prossegue e se reencontra sob outra forma, essa utilidade pode estender-se muito longe no tempo. Um livro pode dormir cinquenta anos, ou dois mil anos, no canto de uma biblioteca, e de repente eu abro-o, e nele descubro maravilhas ou abismos, uma linha que parece ter sido escrita de propósito para mim. O escritor, nisso, não difere do ser humano em geral: tudo o que dizemos, tudo o que fazemos, produz mais ou menos efeito. É preciso tentar deixar depois de nós um mundo um pouco mais limpo, um pouco mais belo do que era, mesmo que esse mundo seja apenas um pátio nas traseiras ou uma cozinha.
Marguerite Yourcenar, De Olhos Abertos: Conversas com Matthieu Galey, Renata Correia Botelho (trad.), Relógio d'Água, 2011.
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