Também a Praça das Flores
«é sempre a despedida da vida»
e eu, delta vez, não a convocarei,
Dona Benilde. Prefiro falar
de quem só apostava
no «tudo ou nada do amor»,
rendendo-se à música da cidade.
É uma estória mal contada,
obviamente. Apareceu-me
de casaco vermelho,
com três maços de cigarros
a brincarem-lhe nas mãos.
Perguntava a quem passava
onde ficava o Chiado,
enquanto a magreza dos seus ombros
incendiava a igreja do Loreto.
Os negros das obras respondiam-lhe
o melhor que podiam, esquecendo
por instantes os rabos e as mamas
que desciam apressadamente para o metro.
Apenas falou, nessa tarde, da crise
do PCP e de gravatas militantes.
Depois morreu, imaculado rasto de cinza
a perder-se no verde corrigido
deste restaurante, onde trapeiros
e limpa-chaminés pronunciam o seu nome.
A si, João César, daria todos os meus cigarros.
Mas agora, suponho, era coisa de pouca serventia.
O marinheiro da entrada manda-lhe saudades.
E olhe que a cozinha está melhor e o tinto
de Trancoso não provoca nem repulsa nem azia.
Mas vai ser tão frio, este Verão.
Manuel de Freitas, Blues for Mary Jane, &etc, Lisboa, 2004 apud AAVV, Poemas com Cinema, Assírio & Alvim, Lisboa, 2011
Manuel de Freitas vintage mais twist César Monteiro.
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