quarta-feira, 21 de setembro de 2011

A caveira do mundo


Que cousa é Roma senão um sepulcro de si mesma? Em baxo as cinzas, em cima a estátua: em baxo os ossos, em cima o vulto. Este vulto, esta majestade, esta grandeza é a imagem, e só a imagem, do que está debaxo da terra.  Ordenou a Providência divina que Roma fosse tantas vezes destruída, e depois edificada sobre suas ruínas, para que a cabeça do mundo tivesse ũa caveira, em que se ver. Um homem pode-se ver na caveira de outro homem: a cabeça do mundo não se podia ver senão na sua própria caveira. Que é Roma levantada? A cabeça do mundo. Que é Roma caída? A caveira do mundo. Que são esses pedaços de Termas e Colisseus senão os ossos rotos, e troncados desta grande caveira? E que são essas Colunas, essas Agulhas desenterradas, senão os dentes, mais duros, desencaxados dela! Oh que sisuda seria a cabeça do mundo se se visse bem na sua caveira!

Sermão pregado pelo Pe. António Vieira em Roma, na Igreja de Santo António dos Portugueses, na Quarta-feira de Cinzas de 1672 (edição de Arnaldo do Espirito Santo, Cristina Pimentel, Ana Paula Banza).


Boneco: Vanitas, de Renard de Saint-André (1613-1677)

Sem comentários:

Enviar um comentário