quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Aquiles segundo Logue (ou uma coisa do cara***)

Levam-lhes os púcaros.

«Pai amigo?»

Rei Nestor (pela sua vida):

«Já sabes porque estamos aqui.
Espera-nos a morte.
A multidão escolheu a escravatura.
O Micenas* admitiu que se lixou ao lixar-te.
Em recompensa oferece-te
O maior benefício de que se tem notícia.
Aceita-o e luta. De outro modo, Heitor há-de deitar fogo às naus
E depois matar-nos aleatoriamente.
És capaz de te lembrar do que disse o teu Pai
No dia em que Ájax e eu fomos perguntar
Se podias vir connosco a Tróia?
Que devias permanecer entre as lâminas onde a honra desponta.
E que, em segundo lugar, devias dar asas à raiva.
Espírito e beleza e força perfizeram em ti
Um poder tão extraordinário
Um Céu deixado vago podia oferecer-te o seu trono.
Pensa no que dirão os que vierem depois de nós.
Salva-nos do deus de Heitor, de Heitor e da força de Heitor.
Ponho-me de joelhos diante de ti, Aquiles.»

« ...Por favor... deixa-te de ameaços.
É verdade, já não falamos há uns tempos.»

Uma pausa.

«Tenho de admitir que tens coragem, pai amigo,
Em tratar-me como a um palerma.
Com Heitor lidarei como me apetecer.
Tu e os teus compatriotas hão-de morrer
Por causa de como o vosso rei me tratou.

«Durante cinco anos eu combati pelo vosso Rei
O meu registo: dez cidades costeiras e dez cidades do interior
Incendiadas até às fundações. Os seus homens, massacrados.
O seu gado e as suas mulheres foram-lhe dados.
Entre o que restou, Briseida a Bela, a minha ela rédea.
Não que eu o tivesse privado da cortesia dela.
Ela juntou-se à minha estirpe em reconhecimento da
Minha força, da minha coragem, da minha superioridade.
Cortesia vossa, meus senhores.
Não lutarei por ele.
Ele quer personalizar a minha perda.
Briseida tirada a Aquiles – prática standard:
Helena a Menelau – guerra.
Senhor Ocupado Ocupado, a construir a sua paliçada, a montar a minha ela,
A mulher que eu podia ter escolhido para administrar a minha casa,
Elevando-a ao estatuto de minha mulher.
Se o odeio? Sim, eu odeio-o. Odeio-o.
E se ele devia ter medo de mim? Devia.
Quero destruí-lo. Quero que ele sinta dor.
No corpo e entre as orelhas.
Tenho de admitir,
Algumas das coisas que disseste são verdade.
Mas vê o que ele me fez a mim. A mim!
O rei de quem a reidade dele depende!
Não lutarei por ele.
Escutando os vossos passos, pensei: até que enfim,
Os meus amigos vieram visitar-me.
Levaram o seu tempo, verdade –
Depois de ele ter levado a minha ela nenhum de vocês apareceu –
Agora, no entanto – evidentemente porque estão em sarilhos,
Sarilhos a sério – chegam como amigos,
E por vontade própria.
Mas não viestes aqui como amigos.
E não viestes por vontade própria.
Viestes porque o vosso rei vos disse para vir.
Viestes porque eu sou a sua última saída.
E, acidentalmente, a vossa última saída.

Finalmente ele oferece-me cenas.
E todos vós me oferecem os conselhos dele:
“Tem calma...
Tem cuidado com a língua...
Pensa no que o mundo vai dizer...”
Nenhuma menção ao modo como o vosso rei me tratou.
Nenhum sinal de amor por mim por trás das vossas lágrimas.
Não lutarei por ele.
Sou capaz de me lembrar mesmo muito bem
Do dia em que vocês, o par de grandes senhores, visitaram a casa do meu pai,
De como corri para vos acolher, de como tomei as vossas mãos –
Os homens mais grandiosos que alguma vez tinha visto:
Ájax, o meu primo combatente, forte, corajoso, sem medo de morrer;
Nestor, o rei da arenosa Pilos, a espada da sabedoria,
E naquele instante, quando todos já tinham comido e bebido à saciedade
E estava confirmado de que eu devia vir para Tróia,
Então o meu pai disse que sua senhoria sabe
Não só quando lutar, e quando ter tento na língua,
Mas também a diferença entre uma criança encolerizada
E senhores unidos pela honra.
Não lutarei por ele.
Há um rei para ser mantido. Vós sois os senhores que lhe pertencem.
Os meus poderes de combate provam a minha inferioridade.
O que quer que ele, por intermédio vosso, possa conceder
Eu tenho de o receber como um favor, não como um direito,
Voltai para ele com olhares de desalento, um tom suplicante,
Reconhecei as minhas transgressões – eu não
Aplaudi os dedos gordurosos dele na carne dócil da minha ela.
A minha mãe diz que eu tenho escolha:
Viver feliz como rei da terrinha pela aprovação;
Ou dar ao mundo um rumor duradouro do meu nome,
E morrer.
Acordem amanhã cedinho
Para me verem sacrificar ao Senhor Poseídon e levantar âncora.
Oh, sim, as oferendas dele:
“O maior benefício de que se tem notícia.”
Se ele pusesse o Céu na minha mão eu não o queria.
As suas oferendas exaltam-no a ele.
Também à sua criança.
Eu não quero deitar fora a rapariga, como se fosse lixo.
Ela é como eu. Má sorte ter amigos pobres.
Má sorte ter sua realeza como vossa majestade.
O meu pai há-de escolher a minha esposa.
A cada primavera uma dúzia dos reis locais visita-nos
E desfila as suas filhas nuas em redor do nosso pátio.
Alguma rapariga decente lá da terra. O valor do meu pai
É toda a riqueza que exigiremos.
Vós, gregos, não havereis de conquistar Tróia.
Estais desintegrados como força de combate.
Tróia é o vosso cemitério. Culpai o vosso Rei.
O homem que vós dizeis que fez tudo o que pôde.
O homem que admitiu que estava errado.
Mas ele não fez tudo o que podia.
E ele não admitiu que estava errado.
Ou não a mim.
Eu quero-o aqui, ao vosso Rei.
As suas armas tombadas de cada lado, os seus ombros para trás,
A anunciar, alto e a bom som, que errou ao levar a minha ela.
Pedindo desculpa por esse erro, a mim, o filho de Peleu.
Perante os meus seguidores, convosco, Pilos e Salamina**,
Creta. Esparta. Tirinte. Argos. Cálidon. As Ilhas, aqui,
em sentido, de cada lado dele.
Esta é a minha oferta. Aceitem-na ou morram.

‘Nestor pode passar cá a noite.
Tu, Ájax, querido primo, vai dizer ao teu rei o que eu disse.
De preferência, em frente de toda a gente.’»
Que respondeu,
Enquanto o meu Aquiles pegava na guitarra:

«Senhor, não era tão esmurrado com palavras
Desde que pela primeira vez chamei ao meu pai papá.»

Logue's Homer, Cold Calls: War Music Continued, Faber & Faber, 2005 (tradução minha).

* Agamémnon, rei de Micenas, aqui designado pelo seu topónimo.
**Pilos designa Nestor, terra de que o ancião era rei, Salamina designa Ájax - trata-se evidentemente de Ájax filho de Telamon, Creta Idomeneu, Esparta Menelau, Argos será uma alusão a Diomedes, os restantes topónimos designam outros tantos heróis.

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