domingo, 11 de setembro de 2011

Adriano


















Os contemporâneos do jovem Adriano chamavam-lhe O Grego. Talvez nele também existisse a Espanha onde viviam os seus antepassados desde há vários séculos. É preciso ver que Adriano era andaluz, e é obviamente absurdo estar a imaginar, por falta de informação, aquela Espanha anterior a tudo o que sabemos dela. No entanto, um sotaque «espanhol» era reconhecível nele, pois em Roma troçava-se, por esse motivo, do jovem Adriano. E os seus pequenos versos ligeiros, quase sem peso, sobre a morte fazem-me pensar em certos aspectos do temperamento sevilhano, em que a ligeireza alterna com o trágico. Além disso, há aquele culto dos mortos, no sentido trágico, aquela familiaridade apaixonada com a morte. Pensar que apenas ele, sozinho, contrariamente aos costumes imperiais, fez o luto de Plotina, mulher do seu antecessor; que quis edificar ou reconstruir os túmulos de tantos grandes homens da Antiguidade; que mandou construir, para si próprio e para os seus sucessores, aquele enorme mausoléu, mais tarde Castelo de Sant' Angelo, que era um pouco o seu Escorial.
Não, Adriano é muito diferente do Romano habitual. No fundo, é mais austero, sóbrio, com aquela paixão pela caça e um gosto pelas fronteiras e pelos climas bárbaros. Nele coincidem o máximo refinamento helénico e o futuro, o mundo pós-romano que se aproximava. Se o comparar a Augusto, por exemplo, ou a Júlio César, vê-se logo a diferença. Não se parecem em nada: esses são italianos inteligentes.
(...)
A experiência humana de Marco Aurélio é profunda, mas não muito vasta. É a experiência de um moralista resignado, de um alto funcionário escrupuloso e resignado. É muito bonito mas não iria longe em matéria de variedade humana. Ele próprio disse tudo o que havia a dizer sobre o assunto. Coloca o arnês todas as manhãs e retira-o todas as noites. Tomou medicamentos contra as úlceras de estômago. Não seria suficiente para descrever um mundo, ao passo que Adriano, Varius multiplex...

Marguerite Yourcenar, De Olhos Abertos: Conversas com Matthieu Galey, Renata Correia Botelho (trad.), Relógio d'Água, 2011.

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