quinta-feira, 15 de setembro de 2011

sempre é uma companhia

Mas o velho Rata matara-se. Na aldeia, ninguém ainda atina ao certo com a razão que levou o mendigo a suicidar-se. Nos últimos tempos, o reumatismo tolhera-lhe as pernas, amarrando-o à porta do casebre. De vez em quando, o Batola matava-lhe a fome; mas nem trocavam uma palavra. Que sabia agora o Rata? Nada. Encostado à parede, de pernas estendidas, errava o olhar enevoado pelos longes. Veio o Verão com os dias enormes; a miséria cresceu. Uma tarde, lá se arrastou como pôde e atirou-se para dentro do pego da ribeira de Almancil.

Manuel da Fonseca, "Sempre é uma companhia", in O fogo e as cinzas

2 comentários:

  1. Grande Manuel da Fonseca.

    “- Só queria que vocês assistissem ao incêndio da Rua da Madalena, lá em Lisboa. Isso é que foi um fogo bom! – Recordava ele, animado e feliz. "– Morreram dezenas de pessoas.”

    Li-o muito jovem e lembro-me de ficar intrigado com este incêndio. Fiz uma pesquisa e o resultado foi a descoberta do nefasto poder das flores. Passo a explicar: o incêndio do nº237 Rua da Madalena, em Abril de 1907 e que causou a morte a 13 pessoas, foi fogo posto e os pirómanos julgados. O celeuma em torno desta tragédia obrigou as autoridades a agirem e a tomarem medidas profilácticas; uma delas pareceu-me, na altura, ser de uma originalidade bem portuguesa: retirar os vasos com flores das varandas dos prédios. Fora com os materiais de construção ou a resposta tardia das autoridades, escadas de incêndio ou, sei lá, moral da história: a culpa é sempre das flores.

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  2. É pena não ter vingado essa técnica anti-fogo, o meu prédio tem verdadeiros jardins suspensos da Babilónia interpolados com pequenas selvas tropicais a que não faltam sequer rugidos ocasionais. Infelizmente ainda não há répteis para fazerem companhia à minha Quelónia.

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