sexta-feira, 30 de março de 2012

"The only wisdom we can hope to acquire/ Is the wisdom of humility"

Você parece-me - disse Fearmax - demasiado categórico. Tem, decerto razão quando diz que todos nós atravessamos vários estados, procurando pôr de parte os nossos aspectos negativos, as nossas imperfeições. Mas poderá haver um momento em que nos seja dado saber que a nossa busca terminou? A verdade é que a consciência pessoal da iluminação de que você fala não basta para nos garantir que atingimos, não sei como hei-de dizer, "O Absoluto", "Deus", o "Tao". Pelo contrário, a nossa crescente tomada de consciência impele-nos a continuar a procurar. Penso que o ser humano em que você gostaria de se transformar deverá ser mais humilde, uma atitude menos afirmativa, uma espécie de maior passividade perante o processo de tudo o que acontece, ainda que creia estar sentado em cima de uma bomba atómica. Bem vê: o sábio nada tem a dizer-nos. É do seu silêncio que deduzimos a sua existência.

Lawrence Durrell, The Dark Labyrinth, Miguel Serras Pereira (trad.), Ulisseia, 2003.

An erotics of art

Our task is not to find the maximum about of content in a work of art, much less to squeeze more content out of the work than is already there. Our task is to cut back content so we can see the thing at all.
The aim of all commentary on art now should be to make more works of art - and, by analogy, our own experience - more, rather than less, real to us. The function of criticism should be to show how it is what it is, even that it is what it is, rather than to show what it means.

10

In place of an hermeneutics we need an erotics of art.

Susan Sontag, Against Interpretation and Other Essays, Penguin, 1961 (publicado na Penguin Classics em 2009).

quinta-feira, 29 de março de 2012

Incompatibilities

Desire's a vicious separator in spite
     Of its twisting women round men:
Cold-chisels two selfs single as it welds hot
     Iron of their separates to one.

Old Eden commonplace: something magnets
     And furnaces and with fierce
Hammer-blows the one body on the other knits
     Till the division disappears.

But desire outstrips those hands that a nothing fills,
     It dives into the opposite eyes,
Plummets through blackouts of impassables
     For the stars that lights the face,

Each body still straining to follow down
     The maelstrom dark of the other, their limbs flail
Flesh and beat upon
     The inane everywhere of its obstacle,

Each, each second, lonelier and further
     Falling alone through the endless
Without-world of the other, though both here
     Twist so close they choke their cries.

Ted Hughes, The Hawk in the Rain, Faber & Faber, 1972.

everybody's second home

quarta-feira, 28 de março de 2012

Misanthropy

Misanthropy develops when, without skill, on puts complete trust in somebody, thinking the person absolutely true and sound and reliable, and then a little later finds him bad and unreliable; and then that happens again with another person; and when it happens often, especially at the hands of those one would regard as one's nearest and dearest friend, one ends up, after repeated hard knocks, hating everyone, thinking there's no soundness whatever in anyone at all. Have you ever noticed that happen? (...) Well, isn't it an ugly thing, and isn't it clear that such a person was setting about handling human beings, without any skill in human relations? Because if one handled them with skill, one would have surely recognized the truth, that extremely good and bad people are both very few in number and the majority lie in between.

Platão, Fédon, 89d5-90, Tradução e introdução de David Gallop, Oxford World Classics, 2009 (reimp.).


ἥ τε γὰρ μισανθρωπία ἐνδύεται ἐκ τοῦ σφόδρα τινὶ πιστεῦσαι ἄνευ τέχνης, καὶ ἡγήσασθαι παντάπασί γε ἀληθῆ εἶναι καὶ ὑγιῆ καὶ πιστὸν τὸν ἄνθρωπον, ἔπειτα ὀλίγον ὕστερον εὑρεῖν τοῦτον πονηρόν τε καὶ ἄπιστον, καὶ αὖθις ἕτερον: καὶ ὅταν τοῦτο πολλάκις πάθῃ τις καὶ ὑπὸ τούτων μάλιστα οὓς ἂν ἡγήσαιτο οἰκειοτάτους τε καὶ ἑταιροτάτους, τελευτῶν δὴ θαμὰ προσκρούων μισεῖ τε πάντας καὶ ἡγεῖται οὐδενὸς οὐδὲν ὑγιὲς εἶναι τὸ παράπαν. ἢ οὐκ ᾔσθησαι σύ πω τοῦτο γιγνόμενον; οὐκοῦν, ἦ δ᾽ ὅς, αἰσχρόν, καὶ δῆλον ὅτι ἄνευ τέχνης τῆς περὶ τἀνθρώπεια ὁ τοιοῦτος χρῆσθαι ἐπεχείρει τοῖς ἀνθρώποις; εἰ γάρ που μετὰ τέχνης ἐχρῆτο, ὥσπερ ἔχει οὕτως ἂν ἡγήσατο, τοὺς μὲν χρηστοὺς καὶ πονηροὺς σφόδρα ὀλίγους εἶναι ἑκατέρους, τοὺς δὲ μεταξὺ πλείστους.

terça-feira, 27 de março de 2012

O apóstolo

O sofrimento de Gohar era a única iniquidade que não podia tolerar, num mundo cheio delas. Toda a generosidade de que era capaz punha-a ele no gesto de oferecer a Gohar a sua porção diária de haxixe. Conseguir este fragmento de alegria para um homem - mesmo que só durante algumas horas - parecia-lhe mais eficiente do que todas as vãs tentativas dos reformadores e dos idealistas que pretendiam arrancar ao seu martírio uma humanidade dolorosa. Ieguene, neste domínio, gabava-se de ser o apóstolo da eficácia imediata e tangível. As demoradas elaborações, as sábias teorias destinadas a consolar a miséria do povo, tudo isso não passava, a seu ver, de sinistras facécias.

Albert Cossery, Mendigos e Altivos, Antígona, trad. Júlio Henriques, 2002.

sábado, 24 de março de 2012

Out on the Weekend

(Prime, para estender a amizade.)

A fallen wall

It is strange how passion held in restraint bursts, so to speak, upwards into the very musculature of the human body, as if it musts at all costs exteriorise itself. The heavy rope-like muscles of Manoli's body, already swollen and contorted by rheumatism, have further tightened under the pressure of unexpressed feeling and of shock. It is as if in some old house, ruined by damp, the arterial system - the plumbing - had been revealed by a fallen wall, or the incursions of damp or snow. Yet he crouches limply, hands unclenched, gazing with a dumb and sightless longing at the boy stretched under the blanket. It as if someone had drawn a wet sponge across everything else in the world leaving only this circle of fading light and the characters which peopled it as the whole content of his thoughts.

Lawrence Durrell, Reflections on a Marine Venus: A Companion to the Landscape of Rhodes, Faber & Faber, 2000 (1ª ed: 1953).

quinta-feira, 22 de março de 2012

They have nothing that will ever capture your heart

Canto trigésimo segundo

Um poema copiado para a Jo

Água, fogo e depois cinza
os ossos dentro da cinza,
o ar treme em redor da Terra.
Onde estão as folhas verdes, a erva, as ervilhas
e os dedos das mulheres arrancando-as à casca?
Onde estão as rosas e a guitarra, os cães e os gatos,
os seixos e as sebes de limite,
as vozes que cantavam, os calendários, os rios,
e as tetas prenhes de leite? Onde estão as fábulas
se as candeias apagadas já não alumiam?
Onde está o Tempo com todos os dias da semana,
as horas e os segundos a soar?
O Sol gira e movem-se as sombras
das coisas imóveis.
E eu onde estou? Onde está fulano?
Veneza que se afogou
é um monte branco de ossos náufragos.
Mas chegará o dia em que das portas do céu
descerá uma voz ao pó.
Ordenará a saída do homem
que tudo isto inventou:
a roda, os relógios, os números
e as bandeiras pelas estradas.
Adão levantar-se-á e de cabeça erguida
gritará àquela Grande Luz
que o mel que nos deu
escorria na lâmina de uma espada.

Tonino Guerra, O Mel, Mário Rui de Oliveira, Assírio & Alvim, 2003.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Dia dos poetas

(À Tatiana)

A obra de arte é de uma solidão sem fim, e nada está mais longe de tocá-la do que a crítica. Só o amor poderá compreender e sustentar e fazer justiça a uma obra de arte.

Ser artista é não calcular e não contar, é amadurecer como a árvore, que não comanda a seiva e que enfrenta tranquila as tempestades da Primavera sem recear que o Verão não chegue. O Verão chegará. Mas apenas para quem esperou pacientemente, para quem aqui permaneceu como se à sua frente se estendesse, sem cuidados, silenciosa e imensa, a eternidade.

Rainer Maria Rilke, Cartas a um jovem poeta.


Trying to learn to use words, and every attempt
Is a wholy new start, and a different kind of failure
Because one has only learnt to get the better of words
For the thing one no longer has to say, or the way in which
One is no longer disposed to say it. And so each venture
Is a new beginning, a raid on the inarticulate,
With shabby equipment always deteriorating
In the general mess of imprecision of feeling,
Undiscipled squads of emotion.

T.S. Eliot, Four Quartets, East Coker, V.


O pintor Müller, na sua composição poética "O primeiro despertar de Adão e as suas primeiras noites ditosas" põe Deus a exortar o homem para que denomine, com as seguintes palavras: "Homem de terra, aproxima-te, torna-te mais perfeito na contemplação, torna-te mais perfeito através da palavra."
(...)
emana do poeta o conhecimento de que só a palavra, a partir da qual são criadas as coisas, permite ao homem a sua denominação, na medida em que ela, na diversidade das linguagens dos animais, ainda que mudas, se comunica na linguagem: Deus confere, progressivamente, aos animais, um sinal que os faz aparecer ao homem para que os denomine. De uma forma quase sublime verifica-se, deste modo, a comunidade linguística da criação muda com Deus na imagem do signo.

Walter Benjamin, Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política.

Pero la obra de un gran poeta o de un descubridor, la de un genio religioso o la de un filósofo genuino, no puede ser sino la verdadera expresión de su vida anímica; en la sociedad humana, tan llena de mendacidad, una obra semejante es siempre verdadera y, a diferencia de cualquier otra exteriorización en signos fijos, es apta para una interpretación completa y objetiva, y es ella la que arroja luz sobre los demás monumentos artísticos de una época y sobre las acciones históricas de los contemporáneos.

Whilhelm Dilthey, O Mundo Histórico.

La poésie est fondation de l'être par la parole. (...) Le dire du poète est fondation non seulement au sens d'une libre donation, mais également en ce sens qu'il assied et assure sur sa base l'être-là de l'homme.

M. Heidegger, Comentário à poesia de Hölderlin.


Não o que de resto é destino e cuidado do homem
Em casa ou sob o céu aberto
Ainda que mais nobremente do que os animais o homem
Se defenda e alimente! Pois é outra coisa que importa,

Confiada ao cuidado e ao serviço dos poetas.
O Altíssimo é a quem nós pertencemos
Para que mais próximo e sempre de novo cantado
O oiça o peito que o ama.

Hölderlin, Dichterberuf.

Prime!




















... indo-se sentar na única cadeira que lhe mobilava o quarto. Afora ela, só ali havia um caixote virado, ostentando um fogareiro, mais uma cafeteira e uma bilha de água potável. Gohar vivia na mais estrita economia material. A noção do mais elementar conforto fora nele desde há muito banida da memória. Detestava ver-se rodeado de objectos; os objectos eram os receptáculos dos germes latentes da miséria, e da pior de todas, da miséria inanimada, essa que fatalmente engendra a melancolia por força da sua presença sem saída. Não que ele fosse sensível às aparências da miséria; a esta não reconhecia nenhum valor palpável, para ele constituía tão-só uma abstracção. Apenas desejava proteger o olhar de uma promiscuidade deprimente. O lado nu deste quarto tinha para Gohar a beleza do imperceptível, e ali respirava um ar de optimismo e liberdade. A maior parte dos móveis e dos objectos comuns eram a seus olhos um ultraje, por não poderem constituir alimento nenhum para a sua necessidade de fantasia humana. Só os seres, nas suas loucuras incontáveis, tinham para ele o dom da diversão.

Albert Cossery, Mendigos e Altivos, Antígona, trad. Júlio Henriques, 2002.

Jeff Wall, Insomnia.

terça-feira, 20 de março de 2012

Professor of Perjury??

Várias das conferências de Geoffrey Hill enquanto Professor of Poetry em Oxford, incluindo a inaugural. Se bem percebi, futuralmente outras serão acrescentadas.

Aqui.

segunda-feira, 19 de março de 2012

The Horses

I climbed through woods in the hour-before-dawn dark.
Evil air, a frost-making stillness,

Not a leaf, not a bird-
A world cast in frost. I came out above the wood

Where my breath left tortuous statues in the iron light.
But the valleys were draining the darkness

Till the moorline – blackening dregs of the brightening grey –
Halved the sky ahead. And I saw the horses:

Huge in the dense grey –ten together –
Megalith-still. They breathed, making no move,

With draped manes and tilted hind-hooves,
Making no sound.

I passed: not one snorted or jerked its head.
Grey silent fragments
Of a grey still world.

I listened in emptiness on the moor-ridge.
The curlew’s tear turned its edge on the silence.

Slowly detail leafed from the darkness. Then the sun
Orange, red, red erupted

Silently, and splitting to its core tore and flung cloud,
Shook the gulf open, showed blue,

And the big planets hanging –
I turned

Stumbling in a fever of a dream, down towards
The dark woods, from the kindling tops,

And came the horses.
There, still they stood,
But now steaming, and glistening under the flow of light,

Their draped stone manes, their tilted hind-hooves
Stirring under a thaw while all around them

The frost showed its fires. But still they made no sound.
Not one snorted or stamped,

Their hung heads patient as the horizons,
High over valleys, in the red levelling rays –

In din of the crowded streets, going among the years, the faces,
May I still meet my memory in so lonely a place

Between the streams and the red clouds, hearing curlews,
Hearing the horizons endure.

Ted Hughes, The Hawk in the Rain, Faber & Faber, 1972.

10.

Um pouco à parte,
mas nunca totalmente fora
de uma lógica territorial, contornei
as multidões, a juventude emolada,
os ofícios civilizados. contra o vento
frio, olhando as altas portas luminosas
da mariahilfer straβe, testemunhei
a divergência entre signos e sinais,
a difusa mancha com o presente
à flor da pele, negociando-o num novo
género de esforço e dormência,
e todos os modos de proximidade
aí selados, etiquetados e promovidos,
como numa grande loja de recordações.

Paulo Tavares, Capitais, Edição do Autor, Março de 2012.

sábado, 17 de março de 2012

Amo, volo ut sis

Hannah Arendt for Martin Heidegger:

For already early in her life, strangeness and tenderness threatened to become inseparable. Tenderness meant shy, reticent affection, not surrendering, but a probing that was caress, joy, and surprise at strange forms.
(...)
Her independence and idiosyncrasy were actually based in a true passion she had conceived for anything odd. Thus, she was used to seeing something noteworthy even in what was apparently most natural and banal; indeed, when the simplicity and ordinariness of life struck her to the core, it did not occur to her, upon reflection, or even emotionally, that anything she experienced could be banal, a worthless nothing that the rest of the world took for granted and that was no longer worthy of comment.


Martin Heidegger for Hannah Arendt:

Thank you for your letters - for how you have accepted me into your love - beloved. Do you know that this is the most difficult thing a human is given to endure? For anything else, there are methods, aids, limits, and understanding - here alone everything means: to be in one's love = to be forced into one's innermost existence. Amo means volo, ut sis, Augustine once said: I love you - I want you to be what you are.


Letters, 1925-1975, Hannah Arendt and Martin Heidegger, Andrew Shields (trad). Harcourt Books: 2004.

Daqui a pouco

Diz que estreia em Cannes


Mais informações aqui.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Para não dizerem que não alimento os miúdos com cultura clássica


سَيَمْتَدُّ هَذا الْحِصارُ إلى أَن يُنَقِّحَ
سادةُ "أُولِمْب" إلياذةَ الخالِدة

(de "Estado de Sítio", 2002)
Mahmûd Darwîsh


durará este cerco até deixarem
os senhores do Olympo de polir a Ilíada imortal
Tradução: André Simões

In this landscape

I suddenly remembered other moments of time spent in this landscape, time printed upon real silence with all its real colours up: the faint burring os honey-bees in Agamemnon's tomb: one glittering spring day, the noise of snow melting among the meadows at Nemea: a bird singing stiffly at noon like a voice on stilts from the bushes where we had slept: the crash of a falling orange in an island: all isolated moments existing in a peculiar dense medium of their own which was like time but not of it. Each moment to itself entire, populating a whole continuum of feeling.

Lawrence Durrell, Reflections on a Marine Venus: A Companion to the Landscape of Rhodes, Faber & Faber, 2000 (1ª ed: 1953).

quarta-feira, 14 de março de 2012

"I enriched all my ideas with islands"

And I, I always arrive straight at absence. One sound makes the brook, and what I say, what I love remains untouched in its shadows. Innocences and pebbles in the depth of a translucency. Sensation of crystal.

-

When you flash in the sun that slides waterdrops and immortal hyacinths and silences on you, I name you the only reality. When you escape darkness and come again with the east, wellspring, bud, sunbeam, I name you the only reality. When you leave those who are assimilated into nonexistence and reoffer yourself as a human, I wake from the beginning with your change.

Play no more. Cast the ace of fire. Open the human geography.

-

All that's left is for you to come and turn your eyes toward the sea that will be no other than your living continual eternal whispering.

All that's left is for you to end up in the horizons.


(de The Concert of Hyacinths)

Odysséas Elytis, The Collected Poems, Nikos Sarris e Jeffrey Carson (trad.), The Johns Hopkins University Press, 1997.

It's yours now, it's all that there is

The Hawk in the Rain

I drown in the drumming ploughland, I drag up
Heel after heel from the swallowing of the earth's mouth,
From clay that clutches my each step to the ankle
With the habit of the dogged grave, but the hawk

Effortlessly at height hangs his still eye.
His wings hold all creation in a weightless quiet,
Steady as a hallucination in the streaming air.
While banging wind kills these stubborn hedges,

Thumbs my eyes, throws my breath, tackles my heart,
And rain hacks my head to the bone, the hawk hangs,
The diamond point of will that polestars
The sea drowner's endurance: And I,

Bloodily grabbed dazed last-moment-counting
Morsel in the earth's mouth, strain to the master-
Fulcrum of violence where the hawk hangs still.
That maybe in his own time meets the weather

Coming the wrong way, suffers the air, hurled upside-down,
Fall from his eye, the ponderous shires crash on him,
The horizon trap him; the round angelic eye
Smashed, mix his heart's blood with the mire of the land.

Ted Hughes, The Hawk in the Rain, Faber & Faber, 1972.

Was heißt Denken?

Pensar, de qualquer maneira, é isto: não estar demasiadamente apaixonado pelo sítio onde neste momento se tem os pés.


Gonçalo M. Tavares, sobre João Barrento. (aqui) .

Pink Pepsi

Agamémnon, lançamento

Clicar para aumentar.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Sorte pesada

E então o mais velho dos comandantes
das naus dos Aqueus,
não recriminando adivinho algum,
conspirou com a sorte que o feria,
enquanto a demora devorava as provisões
e oprimia a multidão aqueia,
acampada defronte de Cálcis,
nas costas de Áulis, onde a rebentação ruge continuamente;

os ventos que do Estrímon sopravam
um tédio nefasto, a má ancoragem,
o desvario dos homens, não poupando naus nem amarras,
tornavam a espera duplamente longa,
com o desgaste consumindo
a flor dos Argivos; e quando um outro
remédio mais pesado
do que a amarga tempestade o adivinho proferiu
aos primeiros do exército
declarando Ártemis responsável, então, batendo com os ceptros,
no solo, os Atridas
não contiveram as lágrimas,

e o mais velho dos chefes ergueu a voz para falar:
«Sorte pesada é não obedecer,
pesada também se esquartejar a minha filha, jóia do meu lar,
manchando as mãos paternas
na corrente do sangue de uma donzela imolada
junto do altar. Qual destas está isenta de mal?
Como me hei-de eu tornar um desertor das naus
falhando para com a aliança?

Ésquilo, Agamémnon, vv. 184-214, José Pedro Moreira (trad.), Edições Artefacto, 2012.

O primeiro livro da linha da Ítaca na Artefacto


















Acaba de chegar. Gato não incluído em caso de aquisição de um exemplar.

Assim tal e qual

domingo, 11 de março de 2012

XI

Vêm do céu e da terra
jogam ao suicídio. Por
partes avançam e suspendem
a virtude. Acordam a
flor das dunas que se torna
útil contra a sombra dos
venenos.
Prendem-se a fios de seda, a
cores desviadas da folha de
papiro. Quem são?
E recordam coisas vulgares,
brincos de orelha com
verdadeiras pérolas. Coisas
que são a sua íntima pobreza
e a sua riqueza ferida.
Figuras que lembram
os verdes tanques de Anúbis, o
gosto oblíquo por gregos,
trácios, ilírios. À
boca de cena tudo se
assinala de passagem: aquilo
que se possui através das
diversas partes do verso, a
acalmia da morte que se
ergue pelo nascer do sol
desde a primeira hora do
abandono da casa. Trazem
os nomes inscritos na
tábua dos dias. E, creio
que mais nada.

João Miguel Fernandes Jorge, A Jornada de Cristóvão de Távora: Segunda Parte, Colecção Forma, Editoral Presença, 1986.

sábado, 10 de março de 2012

"Polvo serán, mas polvo enamorado"

Acordamos emaranhados. Abro os olhos e a tua cara está aqui. Isso é tão bom que volto a fechá-los.
- Olá.
Isto é a tua voz. Abro os olhos e os teus olhos estão aqui.
- Olá.
Isto é a minha voz.
E deslizas por mim abaixo.

-

A cama fica num canto, num aconchego. Estamos em cima da cama, ajoelhados, nus. Nunca tinha reparado como as tuas mãos são uma obra-prima. É a primeira vez que as vejo saírem assim dos braços, renascentistas, angulosas. Uma delas basta para me cobrir a cara, toco a polpa de cada dedo com a língua. A palma da outra está encostada a um mamilo. Movemo-nos lentamente sem uma palavra. É um silêncio estranho, de quem perdeu a fala ou sofre em silêncio.
Tu sofres em silêncio, eu perdi a fala.

Alexandra Lucas Coelho, E a noite roda, Edições tinta-da-china, Lisboa, 2012.

Alain Leroy

sexta-feira, 9 de março de 2012

Cineclube de Letras























Sherlock Jr. (1924) de Buster Keaton.

É o filme passado hoje, às 18 horas no Anfiteatro IV. A apresentação será feita por Francisco Frazão.

Protogenes

According to Pliny's anecdote, Demetrius asked Protogenes to present himself at his headquarters, and when he did so he asked him how he could work away at his painting while the fate of the town hung in balance. The painter replied: 'I am aware that you are making war upon people and not the arts.' There's is just the faintest flavour of flattery about it; enough at any rate to win Demetrius, who assigned the painter a special bodyguard and ordered that he was not to be molested.

Lawrence Durrell, Reflections on a Marine Venus: A Companion to the Landscape of Rhodes, Faber & Faber, 2000 (1953, 1ª ed.).

segunda-feira, 5 de março de 2012

XVIII

If grief could burn out
Like a sunken coal,
The heart would rest quiet,
The unrent soul
Be still as a veil;
But I have watched all night

The fire grow silent,
The grey ash soft:
And I stir the stubborn flint
The flames have left,
And grief stirs, and the deft
Heart lies impotent.

Philip Larkin, The North Ship, Faber & Faber, 1966.

XXVI

This is the first thing
I have understood:
Time is the echo of an axe
Within a wood.

Philip Larkin, The North Ship, Faber & Faber, 1966.

domingo, 4 de março de 2012

V

Falam-me tantas vezes nos versos directos,
nos versos que surgem de uma necessidade
de inventar uma urgência e de produzir, eu
direi sempre criar, uma realidade. Quase,
esses versos, trazem em si a semelhança
do nadador perdido que quer salvar a vida.
Mais do que pelo olhar da primeira vez, eu
sou movido pela intensidade da última visão.
E quero prender à maior objectividade o que
está no meu limite
o rosto, a maneira infinita e mais misteriosa
onde só importa a cor
como se a personalidade, o seu destino fosse,
somente, lugar de partida.
É ainda toda a vida, mas já são restos e eu
encontro-os na semelhança de meu pai,
e em mim próprio, no que irá restar de todos
nós depois da morte.

Ninguém pode tomar estes versos nos seus dedos
e dar-lhe forma acabada.
Suspendê-los na parede de minha casa.
Trazê-los até à mesa onde trabalho e onde
os traços da tinta entram, por momentos, na
nossa vida.

João Miguel Fernandes Jorge, A Jornada de Cristóvão de Távora: Primeira Parte, Colecção Forma, Editoral Presença, 1986.

sábado, 3 de março de 2012

'perhaps the very music that the dying Antony in Cavafy's poem heard'

Here came the Rifiya dervishes, who could in their trances walk upon embers or drink molten glass or eat live scorpions – or dance the turning measure of the universe out, until reality ran down like an overwound spring and they fell gasping to the earth, dazed like birds. The banners and torches, the great openwork braziers full of burning wood, the great paper lanterns inscribed with texts,they made staggering loops and patterns of light upon the darkness of the Alexandrian night, rising and falling, and now the pitches were swollen with spectators, worrying at the procession like mastiffs, screaming and pulling; and still the flood poured on with its own wild music (perhaps the very music that the dying Antony in Cavafy's poem heard) until it engulfed the darkness of the great meidan, spreading around it the fitful contours of robes and faces and objects without context but whose colours sprang up and darkened the edges of the sky with colour. Human beings were setting fire to each others.

Lawrence Durrell, The Alexandria Quartet, Balthazar, Faber & Faber, 1968

Um acto de fé

(...) D. Quixote levantou a voz, e com um tom arrogante disse:

- Detenha-se toda a gente, se toda a gente não confessar que não há no mundo todo uma donzela mais formosa que a imperatriz da Mancha, a sem par Dulcineia do Toboso.

(…)

- Senhor cavaleiro, nós não conhecemos quem seja essa boa senhora que dizeis; mostrai-no-la: que se ela for de tão grande formosura como declarais, de boa vontade e sem constrangimento nenhum confessaremos a verdade que por vós nos é pedida.

- Se eu vo-la mostrasse – replicou D. Quixote – , que valor tinha confessar uma verdade tão evidente? A importância está em que, sem vê-la, o haveis de acreditar, confessar, afirmar, jurar e defender; se não, comigo travareis uma batalha, gente monstruosa e soberba.


Miguel de Cervantes, O Engenhoso Fidalgo D. Quixote de la Mancha, José Bento (trad), Relógio d'Água, 2005.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Com o espírito da casa

Acabei hoje o sabonete cujo uso iniciaste aquando
o teu último banho cá em casa. Ficaram coisas que
te pertencem e que não sei se deva guardar,
a saber: um candeeiro, um desenho, uma fotografia.
Outras coisas ficaram
alguns discos e já não sei que livro. Não ferem
tanto. Há ainda a memória da pele, o amarelo dos
olhos e algumas expressões do teu português falado.
Mas estas últimas coisas já se confundem com o
espírito da casa, quero dizer-te coma poeira da
casa.

João Miguel Fernandes Jorge, A Jornada de Cristóvão de Távora: Primeira Parte, Colecção Forma, Editoral Presença, 1986.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Fragmentos de uma carta

É insuportável falar de como és
ou foste temido acima das palavras.
Os meus dias, o meu cuidado
quando os instantes querem ser contados: a
fuga e a vida eu levei para longe, o
mero desejo de mostrar que sirvo
para alguma coisa.
À minha volta há quase tudo o que não li,
reparto-me num equilíbrio semelhante ao
das escritas nas casas de comércio. A
euritmia do cifrado tem de corresponder à
balança dos pagamentos e das vendas.
O sistema da troca: as coisas estão fora
da localização exacta dos
livros de capa negra onde
tudo é igual e diferente. Porque
pertence ao que foi dito de uma vez,
ao que foi preciso cada vez como se
fosse possível prolongarmos um tempo sem
medida. E o que disseste
viria porventura a inventar a
minha vulgaridade,
o que descobre.


João Miguel Fernandes Jorge, A Jornada de Cristóvão de Távora Primeira Parte, Colecção Forma, Editoral Presença, 1986.