quinta-feira, 1 de março de 2012

Fragmentos de uma carta

É insuportável falar de como és
ou foste temido acima das palavras.
Os meus dias, o meu cuidado
quando os instantes querem ser contados: a
fuga e a vida eu levei para longe, o
mero desejo de mostrar que sirvo
para alguma coisa.
À minha volta há quase tudo o que não li,
reparto-me num equilíbrio semelhante ao
das escritas nas casas de comércio. A
euritmia do cifrado tem de corresponder à
balança dos pagamentos e das vendas.
O sistema da troca: as coisas estão fora
da localização exacta dos
livros de capa negra onde
tudo é igual e diferente. Porque
pertence ao que foi dito de uma vez,
ao que foi preciso cada vez como se
fosse possível prolongarmos um tempo sem
medida. E o que disseste
viria porventura a inventar a
minha vulgaridade,
o que descobre.


João Miguel Fernandes Jorge, A Jornada de Cristóvão de Távora Primeira Parte, Colecção Forma, Editoral Presença, 1986.

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