... indo-se sentar na única cadeira que lhe mobilava o quarto. Afora ela, só ali havia um caixote virado, ostentando um fogareiro, mais uma cafeteira e uma bilha de água potável. Gohar vivia na mais estrita economia material. A noção do mais elementar conforto fora nele desde há muito banida da memória. Detestava ver-se rodeado de objectos; os objectos eram os receptáculos dos germes latentes da miséria, e da pior de todas, da miséria inanimada, essa que fatalmente engendra a melancolia por força da sua presença sem saída. Não que ele fosse sensível às aparências da miséria; a esta não reconhecia nenhum valor palpável, para ele constituía tão-só uma abstracção. Apenas desejava proteger o olhar de uma promiscuidade deprimente. O lado nu deste quarto tinha para Gohar a beleza do imperceptível, e ali respirava um ar de optimismo e liberdade. A maior parte dos móveis e dos objectos comuns eram a seus olhos um ultraje, por não poderem constituir alimento nenhum para a sua necessidade de fantasia humana. Só os seres, nas suas loucuras incontáveis, tinham para ele o dom da diversão.
Albert Cossery, Mendigos e Altivos, Antígona, trad. Júlio Henriques, 2002.
Jeff Wall, Insomnia.
Ganda Prime!
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