domingo, 4 de março de 2012

V

Falam-me tantas vezes nos versos directos,
nos versos que surgem de uma necessidade
de inventar uma urgência e de produzir, eu
direi sempre criar, uma realidade. Quase,
esses versos, trazem em si a semelhança
do nadador perdido que quer salvar a vida.
Mais do que pelo olhar da primeira vez, eu
sou movido pela intensidade da última visão.
E quero prender à maior objectividade o que
está no meu limite
o rosto, a maneira infinita e mais misteriosa
onde só importa a cor
como se a personalidade, o seu destino fosse,
somente, lugar de partida.
É ainda toda a vida, mas já são restos e eu
encontro-os na semelhança de meu pai,
e em mim próprio, no que irá restar de todos
nós depois da morte.

Ninguém pode tomar estes versos nos seus dedos
e dar-lhe forma acabada.
Suspendê-los na parede de minha casa.
Trazê-los até à mesa onde trabalho e onde
os traços da tinta entram, por momentos, na
nossa vida.

João Miguel Fernandes Jorge, A Jornada de Cristóvão de Távora: Primeira Parte, Colecção Forma, Editoral Presença, 1986.

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