sábado, 10 de março de 2012

"Polvo serán, mas polvo enamorado"

Acordamos emaranhados. Abro os olhos e a tua cara está aqui. Isso é tão bom que volto a fechá-los.
- Olá.
Isto é a tua voz. Abro os olhos e os teus olhos estão aqui.
- Olá.
Isto é a minha voz.
E deslizas por mim abaixo.

-

A cama fica num canto, num aconchego. Estamos em cima da cama, ajoelhados, nus. Nunca tinha reparado como as tuas mãos são uma obra-prima. É a primeira vez que as vejo saírem assim dos braços, renascentistas, angulosas. Uma delas basta para me cobrir a cara, toco a polpa de cada dedo com a língua. A palma da outra está encostada a um mamilo. Movemo-nos lentamente sem uma palavra. É um silêncio estranho, de quem perdeu a fala ou sofre em silêncio.
Tu sofres em silêncio, eu perdi a fala.

Alexandra Lucas Coelho, E a noite roda, Edições tinta-da-china, Lisboa, 2012.

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