quarta-feira, 21 de março de 2012

Dia dos poetas

(À Tatiana)

A obra de arte é de uma solidão sem fim, e nada está mais longe de tocá-la do que a crítica. Só o amor poderá compreender e sustentar e fazer justiça a uma obra de arte.

Ser artista é não calcular e não contar, é amadurecer como a árvore, que não comanda a seiva e que enfrenta tranquila as tempestades da Primavera sem recear que o Verão não chegue. O Verão chegará. Mas apenas para quem esperou pacientemente, para quem aqui permaneceu como se à sua frente se estendesse, sem cuidados, silenciosa e imensa, a eternidade.

Rainer Maria Rilke, Cartas a um jovem poeta.


Trying to learn to use words, and every attempt
Is a wholy new start, and a different kind of failure
Because one has only learnt to get the better of words
For the thing one no longer has to say, or the way in which
One is no longer disposed to say it. And so each venture
Is a new beginning, a raid on the inarticulate,
With shabby equipment always deteriorating
In the general mess of imprecision of feeling,
Undiscipled squads of emotion.

T.S. Eliot, Four Quartets, East Coker, V.


O pintor Müller, na sua composição poética "O primeiro despertar de Adão e as suas primeiras noites ditosas" põe Deus a exortar o homem para que denomine, com as seguintes palavras: "Homem de terra, aproxima-te, torna-te mais perfeito na contemplação, torna-te mais perfeito através da palavra."
(...)
emana do poeta o conhecimento de que só a palavra, a partir da qual são criadas as coisas, permite ao homem a sua denominação, na medida em que ela, na diversidade das linguagens dos animais, ainda que mudas, se comunica na linguagem: Deus confere, progressivamente, aos animais, um sinal que os faz aparecer ao homem para que os denomine. De uma forma quase sublime verifica-se, deste modo, a comunidade linguística da criação muda com Deus na imagem do signo.

Walter Benjamin, Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política.

Pero la obra de un gran poeta o de un descubridor, la de un genio religioso o la de un filósofo genuino, no puede ser sino la verdadera expresión de su vida anímica; en la sociedad humana, tan llena de mendacidad, una obra semejante es siempre verdadera y, a diferencia de cualquier otra exteriorización en signos fijos, es apta para una interpretación completa y objetiva, y es ella la que arroja luz sobre los demás monumentos artísticos de una época y sobre las acciones históricas de los contemporáneos.

Whilhelm Dilthey, O Mundo Histórico.

La poésie est fondation de l'être par la parole. (...) Le dire du poète est fondation non seulement au sens d'une libre donation, mais également en ce sens qu'il assied et assure sur sa base l'être-là de l'homme.

M. Heidegger, Comentário à poesia de Hölderlin.


Não o que de resto é destino e cuidado do homem
Em casa ou sob o céu aberto
Ainda que mais nobremente do que os animais o homem
Se defenda e alimente! Pois é outra coisa que importa,

Confiada ao cuidado e ao serviço dos poetas.
O Altíssimo é a quem nós pertencemos
Para que mais próximo e sempre de novo cantado
O oiça o peito que o ama.

Hölderlin, Dichterberuf.

6 comentários:

  1. Muito obrigada, Jo. Depois comento isto contigo mas o Dilthey passa para a minha hitlist (e o Heidégger [sic] também).

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  2. Tat, tu deste-nos a tua poesia, eu dou-te uma mão cheia de palavras que nem minhas são. Uns são poetas, os outros são... amigos de poetas? E é assim, mas ao menos gostaste. Grande Rilke, ouvi uma vez uma gravação de um poema dele muito bem lida no Terreiro do Paço :)

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  3. Joana, isso não é verdade, esse ofício cantante acho que não é caso para dar estatuto especial a ninguém, talvez mais até para o tirar (pense-se na reacção daquelas três simpáticas velhinhas quando lhes li aqueles poemas). A poesia é uma forma que tem a sua força no que está em nosso redor e acho que cada vez mais deve dizer do nosso compromisso com isso, e deve dizê-lo de uma forma que seja leal em relação a nós e que conte. Não que exclua, mas que inclua. E não estou com isto a falar de fazer do mundo um lugar melhor (a minha percepção desse assunto não é platónica ou estóica, mas aristotélica). Como disse naquele dia lá na fac., eu uso constantemente as pessoas que fazem parte da minha vida para escrever e como o Kerouac diz algures, mais ou menos, the only people i care for are the mad ones, the ones who are mad to live, mad to talk, mad to be saved, desirous of everything at the same time, the ones who never yawn or say a commonplace thing, but burn, burn, burn like fabulous yellow roman candles exploding like spiders across the stars. sobre not saying a common place podíamos agora abrir aqui um parêntesis e falar de hamlet (!), mas a verdade é que sem essas pessoas não vale a pena escrever, ou sem esse being driven towards, e no entanto eu ainda estou no princípio do caminho e tu também, a coisa é talvez mais simples e é outra coisa que o Kerouac diz, sem mais filosofia do que isso, "one day i'll find the right words and they we'll be simple", e isso é talvez o que mais me importa, dizer o que penso que vale a pena ou quero dizer e não dar treta às pessoas, até porque, neste negócio de milhões que é a poesia, se vai escrevendo para cada vez para menos pessoas e com menos espaço, é preciso que o que escrevamos seja a relação da nossa « fiel dedicação à honra de estar vivo» (um verso de um poema de que eu gosto muito e que é a imagem acabada disso). Mas estou a tagarelar sobre tudo isto levianamente, quando voltar bebemos um chazinho e comemos uns bolinhos e falamos sobre isto (e convidaremos o Chico Nunes para ele não ficar com ciúmes).

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  4. A somar a isto, há a generosidade de te teres dado ao trabalho de copiar estes excertos para que eu os lesse. Uma pessoa não pode desejar nada de melhor do que ter amigos generosos, que talvez nunca venha a merecer de verdade.

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  5. Mereces sim :) Claro que não é um estatuto especial, até porque nem eu, nem tu ligamos a esse género de parvoíces, mas é precisamente porque os poetas conseguem quebrar essa lógica de “funcionar por estatutos” que faz sentido que existam. O poeta consegue traduzir por palavras pequenos pedaços do que somos, dá a sua contribuição para a construção de um sentido mais amplo que nunca está acabado. E fá-lo com a humildade de quem sabe nunca atingir uma plena correspondência, as palavras serão sempre imperfeitas, por mais que possam aproximar-se da perfeição. Pegar numa palavra e fazer que ela nos toque tem muito valor, porque nos reconhecemos nela, mas esse não é algo que as narrativas de vaidade ou de reconhecimento social entendam, e por essa razão também a primeira frase do Rilke faz sentido. Se um poeta é sincero para com a sua humanidade, não trabalha com propósitos ideológicos, mas sim para além deles. Isto vai de encontro ao que escreveste sobre a “fiel dedicação à honra de estar vivo”. Por isso tens valor na poesia. Mas seres artesã das palavras nada tem que ver com o que representas para mim na amizade, embora sejam duas realidades que se toquem, e por isso é que as pessoas que fazem parte da tua vida entram nos poemas. E é bom que estejas sempre no princípio. Bem, mas estou a escrever-te uma mão cheia de coisas que já sabes. :) (Com este comentário é que o Chico deixa de visitar o blog). Vemo-nos no cházinho.

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