A traduzir um poema grego (moderno) acabei por precisar de cravar ajuda a alguém mais experiente com a língua do que eu. Envio a tradução ao meu professor de grego e envio-a a um tradutor que sei que traduziu o mesmo poema com mais autoritas do que eu. O professor de grego não me dá resposta e eu estou com muito receio da resposta do outro tradutor. Como o senhor não me dá troco ao mail, assim que o apanho no Facebook, tufa. E ele: estou a tentar ligar-te e tu não me atendes. (E eu para com os meus botões, caramba, está assim tão mau que tenha honras de telefonema?)
Lá lhe explico que mudei de número e daí a um bocado o senhor liga-me. Três gotas de suor na testa tipo os bonecos de manga. E ele: aquilo está bom. E eu: a sério? E ele, claro. É muito literal, talvez. E eu: mas era assim que eu o queria. E estamos ali a discutir uma ou outra opção. Quando dou por mim, acabamos a discutir métrica grega antiga. É um tipo que está completamente fora da academia, este tradutor, e não digo isto de forma pejorativa. O que eu estava à espera de ouvir era que a minha tradução era uma porra porque existia a dele, a minha fé nas pessoas por estes dias está neste nível.
Mas ainda há pessoas assim, para quem um interesse em comum não entra na definição do «estás a entrar na minha coutada, vou-te partir os dentes todos com uma pedra» - o nosso meio literário, salvo excepções, em muitas coisas parece-me sofrer muito disto, com a mesquinhez e o azume que tendem a acompanhar este tipo de esquemas de pensamento e acção.
Vai desde a publicação de trocas de emails privados em blogues aquando de polémicas entre poetas e passa non solum sed etiam pela marcação do lançamento de uma revista literária para o mesmo dia à mesma hora que outra. (Não digo isto com azedume nem com a intenção de melindrar ninguém, estou só a usar exemplos, e é mesmo só isso.) Coisas que, em última análise, talvez impeçam que toda uma geração de escritores floresça no seu completo potencial. Talvez porque se perdeu, e ainda bem, o costume de «matar o pai», para usar uma expressão que ouvi a Fernando Pinto do Amaral no lançamento da revista Agio, a tendência talvez seja para as gerações de poetas mais jovens se seccionarem mais entre si. As rivalidadezinhas e os joguinhos de antecâmara. O disse que disse e o etc. Tem tanto de enfadonho quanto de pouco produtivo.
Mas imagino sinceramente que coisas como o princípio do humanismo, ou como um verdadeiro amor à poesia, estejam para sempre fora disto e que sejam antes parecidas com este episódio (e não digo isto habitada por qualquer impressãozinha irritante de superioridade moral). A viva curiosidade de pensar coisas que nos interessam em conjunto. Que talvez se pareça com uma alegria primordial de partilhar o que sei e o que não sei, de crescer, que é afinal o que estamos condenados a fazer quando aprendemos (cf. uma coisa tão velha quanto Cícero, o Da Velhice).
Lá lhe explico que mudei de número e daí a um bocado o senhor liga-me. Três gotas de suor na testa tipo os bonecos de manga. E ele: aquilo está bom. E eu: a sério? E ele, claro. É muito literal, talvez. E eu: mas era assim que eu o queria. E estamos ali a discutir uma ou outra opção. Quando dou por mim, acabamos a discutir métrica grega antiga. É um tipo que está completamente fora da academia, este tradutor, e não digo isto de forma pejorativa. O que eu estava à espera de ouvir era que a minha tradução era uma porra porque existia a dele, a minha fé nas pessoas por estes dias está neste nível.
Mas ainda há pessoas assim, para quem um interesse em comum não entra na definição do «estás a entrar na minha coutada, vou-te partir os dentes todos com uma pedra» - o nosso meio literário, salvo excepções, em muitas coisas parece-me sofrer muito disto, com a mesquinhez e o azume que tendem a acompanhar este tipo de esquemas de pensamento e acção.
Vai desde a publicação de trocas de emails privados em blogues aquando de polémicas entre poetas e passa non solum sed etiam pela marcação do lançamento de uma revista literária para o mesmo dia à mesma hora que outra. (Não digo isto com azedume nem com a intenção de melindrar ninguém, estou só a usar exemplos, e é mesmo só isso.) Coisas que, em última análise, talvez impeçam que toda uma geração de escritores floresça no seu completo potencial. Talvez porque se perdeu, e ainda bem, o costume de «matar o pai», para usar uma expressão que ouvi a Fernando Pinto do Amaral no lançamento da revista Agio, a tendência talvez seja para as gerações de poetas mais jovens se seccionarem mais entre si. As rivalidadezinhas e os joguinhos de antecâmara. O disse que disse e o etc. Tem tanto de enfadonho quanto de pouco produtivo.
Mas imagino sinceramente que coisas como o princípio do humanismo, ou como um verdadeiro amor à poesia, estejam para sempre fora disto e que sejam antes parecidas com este episódio (e não digo isto habitada por qualquer impressãozinha irritante de superioridade moral). A viva curiosidade de pensar coisas que nos interessam em conjunto. Que talvez se pareça com uma alegria primordial de partilhar o que sei e o que não sei, de crescer, que é afinal o que estamos condenados a fazer quando aprendemos (cf. uma coisa tão velha quanto Cícero, o Da Velhice).
Assinando JJ por baixo do teu último parágrafo.
ResponderEliminarJinhos.
Aras, em vez de me convidar para beber café assina por baixo as minhas diatribes ligeiramente (glup!)...
ResponderEliminarTatiana, um texto carregado de razão. E estavas só a divagar!
ResponderEliminarestas coisas tendem a tornar-se menores, Samuel. também tenho encontrado muita gente boa, o episódio com este tradutor é um entre uns quantos. a geração em que nós dois estamos a escrever (uns um pouco mais velhos outros um pouco mais jovens), acho que se vai provar muito boa.
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