quinta-feira, 2 de junho de 2011

Acordei a pensar em Alcuíno de York

A traduzir um poema grego (moderno) acabei por precisar de cravar ajuda a alguém mais experiente com a língua do que eu. Envio a tradução ao meu professor de grego e envio-a a um tradutor que sei que traduziu o mesmo poema com mais autoritas do que eu. O professor de grego não me dá resposta e eu estou com muito receio da resposta do outro tradutor. Como o senhor não me dá troco ao mail, assim que o apanho no Facebook, tufa. E ele: estou a tentar ligar-te e tu não me atendes. (E eu para com os meus botões, caramba, está assim tão mau que tenha honras de telefonema?)
Lá lhe explico que mudei de número e daí a um bocado o senhor liga-me. Três gotas de suor na testa tipo os bonecos de manga. E ele: aquilo está bom. E eu: a sério? E ele, claro. É muito literal, talvez. E eu: mas era assim que eu o queria. E estamos ali a discutir uma ou outra opção. Quando dou por mim, acabamos a discutir métrica grega antiga. É um tipo que está completamente fora da academia, este tradutor, e não digo isto de forma pejorativa. O que eu estava à espera de ouvir era que a minha tradução era uma porra porque existia a dele, a minha fé nas pessoas por estes dias está neste nível.
Mas ainda há pessoas assim, para quem um interesse em comum não entra na definição do «estás a entrar na minha coutada, vou-te partir os dentes todos com uma pedra» - o nosso meio literário, salvo excepções, em muitas coisas parece-me sofrer muito disto, com a mesquinhez e o azume que tendem a acompanhar este tipo de esquemas de pensamento e acção.
Vai desde a publicação de trocas de emails privados em blogues aquando de polémicas entre poetas e passa non solum sed etiam pela marcação do lançamento de uma revista literária para o mesmo dia à mesma hora que outra. (Não digo isto com azedume nem com a intenção de melindrar ninguém, estou só a usar exemplos, e é mesmo só isso.) Coisas que, em última análise, talvez impeçam que toda uma geração de escritores floresça no seu completo potencial. Talvez porque se perdeu, e ainda bem, o costume de «matar o pai», para usar uma expressão que ouvi a Fernando Pinto do Amaral no lançamento da revista Agio, a tendência talvez seja para as gerações de poetas mais jovens se seccionarem mais entre si. As rivalidadezinhas e os joguinhos de antecâmara. O disse que disse e o etc. Tem tanto de enfadonho quanto de pouco produtivo.
Mas imagino sinceramente que coisas como o princípio do humanismo, ou como um verdadeiro amor à poesia, estejam para sempre fora disto e que sejam antes parecidas com este episódio (e não digo isto habitada por qualquer impressãozinha irritante de superioridade moral). A viva curiosidade de pensar coisas que nos interessam em conjunto. Que talvez se pareça com uma alegria primordial de partilhar o que sei e o que não sei, de crescer, que é afinal o que estamos condenados a fazer quando aprendemos (cf. uma coisa tão velha quanto Cícero, o Da Velhice).

4 comentários:

  1. Assinando JJ por baixo do teu último parágrafo.



    Jinhos.

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  2. Aras, em vez de me convidar para beber café assina por baixo as minhas diatribes ligeiramente (glup!)...

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  3. Tatiana, um texto carregado de razão. E estavas só a divagar!

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  4. estas coisas tendem a tornar-se menores, Samuel. também tenho encontrado muita gente boa, o episódio com este tradutor é um entre uns quantos. a geração em que nós dois estamos a escrever (uns um pouco mais velhos outros um pouco mais jovens), acho que se vai provar muito boa.

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