quarta-feira, 15 de junho de 2011

Das Parábolas; ou, um texto que eu sei de cor mas quando foi para citar preferi ir confirmar que tinha tudo bem (não tinha)


Muitos se queixam de que as palavras dos sábios frequentemente são apenas parábolas, mas sem utilidade para a nossa vida do dia a dia, que é, afinal, a única que temos. Quando o sábio diz: “Passa para o outro lado”, não quer dizer que devemos ir para a outra margem, coisa que sempre poderíamos fazer, se o resultado do caminho valesse a pena. Refere-se, sim, a um lendário outro lado, a qualquer coisa que não conhecemos, que nem ele próprio consegue definir de forma mais exacta, e que por isso não nos serve de nada neste mundo. Todas essas parábolas querem dizer, no fundo, que o inexplicável é inexplicável, mas isso já nós sabíamos. Mas aquilo que nos dá que fazer todos os dias são outras coisas.

Ao que alguém disse: “Porquê toda essa resistência? Se vos deixásseis guiar pelas parábolas, transformar-vos-íeis vós próprios em parábolas e ficaríeis livres das canseiras diárias.”

E um outro respondeu: “Aposto que também isso é uma parábola.”

O primeiro: “Ganhaste.”

O segundo: “Sim, mas infelizmente só na parábola.”

O primeiro: “Não, na realidade. Na parábola perdeste.”



Kafka. Parábolas e Fragmentos. João Barrento (trad). A&A: 2004

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