segunda-feira, 6 de junho de 2011

De "Coplas"

I

'One cannot lose what one has not possessed.'
So much for that abrasive gem.
I can lose what I want. I want you.

Geoffrey Hill, Selected Poems, Penguin Books, 2006

O que há de maravilhoso nestes três versos é o negar dessa reserva mental que entre o desejo e o seu objecto impõe uma falha que é um modo de não se dar totalmente. Nesse sentido, uma coisa que se parece com este poema é a final de Roland Garros ontem. Nadal, para mim, é o tenista por excelência do 'One cannot lose what one has not possessed.' Isto é demonstrado pelo facto de num jogo inteiro (posso estar enganada) só o ter visto subir uma - uma só - vez à rede. Federer, por outro lado, é o tenista do "I can lose what I want." Podes ver isso no modo como, querendo um ponto, ele tantas vezes o perde por precipitação. Em Federer e Nadal eu vejo o duelo entre duas coisas muito antigas. Ulisses e Aquiles (na comparação talvez mais apta de David Foster Wallace Apolo e Dioniso). O diametralmente oposto medindo-se palmo a palmo. Em linhas gerais, acho que as pessoas são assim (por isso é que o ténis é uma boa metáfora para a vida). Há aqueles que jogam sempre no fundo do court, se falharem o seu ponto, levam os dedos às cordas da raquete, testam a pressão e dizem: eu não posso perder o que não possuí. Ao ver aquele ponto podia ter corrido para a bola ou não. A minha inteligência dizia-me que já estava meio perdido. Há depois aquelas pessoas para quem o mero desejo as prende ao que desejaram. Estas pessoas talvez sejam menos eficazes, talvez vençam menos Roland Garros e talvez percam sempre contra o mesmo tipo de adversário, concedendo sempre o mesmo erro quase infantil. Quando está a ser batido o ponto no fundo do court elas já estão à frente e talvez se tenham precipitado, mas ninguém pode dizer que não o quiseram.
Acho que na literatura, como no ténis e como na vida, prefiro os primeiros aos segundos. A distinção talvez seja meramente infinitesimal, mas como é bela essa inteireza de saber que há um ponto em relação ao que desejamos em que podemos, uma parte em generosidade outra em lealdade, admitir isso, que para perder basta ter desejado uma coisa. A beleza disso talvez seja só força. Uma coisa que fosse apenas bela de dizer. Mas estou em crer que não. Que não é apenas isso. É que a primeira forma de posse é o ímpeto da ideia, podes perder, mas o que quiseste, deo gratias, não o manietaste pela dúvida mesquinha de um cálculo ranhoso de pequena vantagem em caso de perda ou ganho. E nesse sentido Ricardo Reis e esses versos trinta mil vezes citados.

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