segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Lucrécio, De Rerum Natura, 2.1-61 ("Suave, mari magno...")

Agradável é, quando no mar imenso os ventos revolvem as águas,
de terra assistir ao imenso aperto de outrem;
não que a desgraça de alguém seja deleitoso passatempo,
mas conhecer os infortúnios de que tu próprio estás livre, isso é agradável.
Agradável é até contemplar as imensas competições da guerra, 5
dispostas ao longo do campo de batalha, sem que seja tua uma parte do perigo;
mas nada há de mais agradável do que habitar as elevadas
planuras, serenas e erguidas pela ciência dos sábios,
de onde podes olhar para baixo e ver por todo o lado os homens
errar em busca de um caminho para a sua existência transviada, 10
a competir em talento, contendendo por honrarias,
sobrecarregando-se noite e dia com a tarefa de todos superar
para alcançar as maiores riquezas e sobre as coisas dominar.
Ó míseras mentes dos homens, ó cegos corações!
Em que trevas da vida, em quantos perigos 15
se consome a existência, invariavelmente breve! Não vês
que para si a natureza nada pede, a não ser que,
separada do corpo, a dor ande longe e a mente frua
deleitosas sensações, livre de medos e cuidados?
Logo vemos que para a natureza corpórea pouco 20
é necessário no geral: tão só o que liberta da dor
e que possa também servir para nos cobrirmos de prazeres vários.
Mais gratificante é por vezes (pois a natureza não procura tais luxos ) -
se não há pela casa douradas estátuas de jovens
detendo na mão direita igníferas tochas 25
para servir a luz a sumptuosos banquetes nocturnos,
nem a casa refulge e cintila com ouro e prata,
nem as cítaras ressoam em salões apainelados e adornados com ouro -
que, ainda assim, em conjunto os homens se refastelem na tenra erva,
junto da água de um ribeiro sob os ramos de uma alta árvore, 30
e, sem necessidade de grandes luxos, docemente cuidem de seus corpos,
sobretudo quando o tempo sorri e a estação
do ano esparge pela relva viçosas flores.
Nem mais cedo partirão do corpo as febres ardentes
se para pintadas tapeçarias ou um robe rubro de púrpura 35
te lançares, do que se te deitares em lençóis plebeus.
Assim, uma vez que o nosso corpo em nada lucra
com riquezas, nem honrarias ou glória de estado,
devemos concluir que a nossa alma igualmente em nada lucrará;
a não ser talvez quando as tuas legiões espalhadas pelo Campo de Marte 40
vês borbulhar, exercitando-se em simulações de guerra,
apoiadas pelas imponentes reservas e pela cavalaria,
todas igualmente guarnecidas de armas e igualmente moralizadas,
e então com isto as superstições assustadoras
fogem assustadas do teu espírito, e os temores da morte
deixam o teu peito vago e livre de preocupações. 45
Mas se tudo isto julgamos tolo e ridículo,
e que na verdade o temor dos homens e os cuidados que os acossam
não temem o clangor das armas nem as lanças ferozes,
mas até entre reis e os poderosos do mundo audaciosamente 50
se instalam, nem reverenciar o fulgor do ouro,
nem o claro esplendor das vestes purpúreas,
por que duvidas então que somente a razão o pode,
sobretudo quando a vida de todos é incessante labor nas trevas?
Pois tal como as crianças tremem e tudo nas cegas 55
trevas teme, assim nós em plena luz receamos
por vezes o que tem tantas razões para ser temido como
as que no escuro fazem tremer as crianças ao imaginá-las próximas.
É portanto necessário que este terror e trevas da alma
- não por raios de sol nem luzente raiar do dia - 60
sejam dispersos, mas pelo exame da natureza e de suas leis.

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