terça-feira, 20 de outubro de 2009

(A Meio de um Poema de Herberto Helder)

- Esta
espécie de crime que é escrever uma frase que seja
uma pessoa magnificada.
Uma frase cosida ao fôlego, ou um relâmpago
estancado
nos espelhos. E às vezes é uma raiz engolfada, e quando toca
a fundura das paisagens, as constelações mudam
no chão. A truculência
que se traça como uma frase na pessoa, uma queimadura
branca. Porque ela mostra as devastações
magnéticas
da matéria. Na frase vejo os fulcros da pessoa.
Por furos acerbos as estações que se escoam
e a inquebrantável
paisagem que as persegue por dentro. A frase
que é uma pálpebra
viva
como roupa fechada sobre a radiação das veias.
Que é uma cara, uma cratera.
Ou o hausto animal das unhas à testa
onde
fulguram os cornos em coroa.
E esta massa ofegante é queimada
por um suspiro, um alimento brutal.
O teu rosto cerca-me, a minha
morte cerca o teu rosto como uma clareira
pulsando
na luz cortada.
A pessoa
que é uma frase: astro
rude cruamente encordoado entre as omoplatas.
Como se um nervo cosesse todas as partes pungentes e selvagens
da carne. Como
se a tua frase fosse um buraco brilhando até aos pulmões,
com o sangue e a língua
na minha garganta. A beleza que te trabalha
deixa-te
árdua e intacta
no mundo, entre o sangue estrangulado na minha memória.

Herberto Helder, Herberto Helder Ou o Poema Contínuo: Súmula, Assírio e Alvim, 2001.

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