Durante a minha licenciatura em Estudos Clássicos apanhei, mais vezes do que gostaria, com a velha arenga apologético-utilitária sobre a importância dos clássicos (aqui e ao longo deste post usarei o termo com a acepção de "relativo à antiguidade greco-romana"). Nestes discursos, por vezes solenes, o orador seguia normalmente uma linha argumentativa positiva (utilitária) e, quando ficava sem ideias, uma negativa.
A argumentação positiva seguia normalmente os seguintes colores:
a) Se aprenderem latim terão maior consciência da gramática portuguesa. Não deixando de ser verdade, parecia-me então que quem quisesse ter uma maior consciência da gramática portuguesa faria melhor em ir ler uma gramática da língua portuguesa do que a tentar perceber que nome é sujeito de que verbo numa longa e labiríntica frase de Cícero.
b) Aprender línguas clássicas torna-nos mais inteligentes. Certa vez o professor Rosado Fernandes, um grande classicista, que há uns anos atrás granjeou notoriedade internacional pregando um valente banano num dinamarquês (e não holandês!, obrigado, Ricardo) enquanto este perorava em pleno Parlamento Europeu, contrapôs a este um argumento de ordem empírica: "Então por que há tantos classicistas idiotas?" (Quem estava presente conta que Rosado Fernandes adornou o dito com algumas obscenidades de belo efeito.)
c) Os clássicos tornam-nos melhores pessoas. Esta é tão parva que nem devia levar resposta. Durante o império romano houve um certo tipo de representações de tragédia - talvez o discurso poético clássico mais eticamente comprometido - que trouxe ao teatro numerosos rebanhos de gente: é que, a despeito da prescrição aristotélica, as mortes aconteciam em cena - um condenado à morte ou um escravo substituía o actor e a morte acontecia da maneira mais naturalista possível. Um espectáculo bastante edificante.
d) Se lerem os clássicos terão uma vida interior mais rica. Isso é bem capaz de ser verdade. Mas se se ler bons livros escritos à menos de mil e quinhentos anos, se se ouvir boa música, se se vir bons filmes, as probabilidades de isso acontecer também não são más. Em qualquer dos casos, quem passar tanto tempo a enriquecer a sua vida interior corre um sério risco de empobrecer a exterior.
e) Ler os clássicos dá um jeitão quando se quer ser culto. Por estranho que pareça, uma das minhas maiores angústias durante o curso era não ter tempo para ler. Houve um (excelente) professor que me pôs a contar palavras de um texto latino medieval; houve uma (excelente) professora que me pediu um trabalho sobre Celso (não, não falo do polemista pagão do séc. II, isso ainda seria tolerável, mas sim do autor/compilador/editor/tradutor - não se sabe ao certo - de um tratado médico do séc. I d.C.; uma nota sobre a obra: operações cirúrgicas sem anestesia fazem mais mal do que bem, diga lá o que Celso disser), um autor que eu tinha tanta vontade de ler como de tomar banho de água fria no Inverno. As boas horas de leitura que eu perdi com aquilo. E depois há as exigências da especialização: por que raio há-de o estudioso que passa os dias a trabalhar na sua edição de um manuscrito inédito que não interessa a ninguém, perdido numa velha, desconfortável e fria biblioteca, ir ler o último livro do Manuel de Freitas quando chega a casa? Ele quer é ver a bola e saltar para a espinha da mulher (não necessariamente por esta ordem, embora seja a mais usual).
f) Ler os clássicos é fixe. Esta, infelizmente, anda bastante na moda. Quem se der ao trabalho de estudar durante anos grego e/ou latim poderá ler os livros do Harry Potter nessas línguas (ganda cena!). Apenas com algumas horas de estudo de latim os cavalheiros poderão cortejar as suas damas dizendo coisas tocantes como "a abelhinha ama a rosa" e a amada poderá replicar "a rosa é bonita". Ainda estou para conhecer o tipo que estude grego durante anos para ir ler o Harry Potter ou que consiga sexo sem pagar graças ao latim. Já agora, o Frank Lampard do Chelsea, um tipo fixe, era um excelente aluno a latim (eles nunca se lembram desta).
g) Estudar os clássicos é saudável. Quem estuda os clássicos está menos sujeito a doenças degenerativas. Já Galeno mostrou, ao provar várias amostras de urina, que quem estuda as irregularidades do grego homérico não fica impotente antes dos 90.
A argumentação positiva seguia normalmente os seguintes colores:
a) Se aprenderem latim terão maior consciência da gramática portuguesa. Não deixando de ser verdade, parecia-me então que quem quisesse ter uma maior consciência da gramática portuguesa faria melhor em ir ler uma gramática da língua portuguesa do que a tentar perceber que nome é sujeito de que verbo numa longa e labiríntica frase de Cícero.
b) Aprender línguas clássicas torna-nos mais inteligentes. Certa vez o professor Rosado Fernandes, um grande classicista, que há uns anos atrás granjeou notoriedade internacional pregando um valente banano num dinamarquês (e não holandês!, obrigado, Ricardo) enquanto este perorava em pleno Parlamento Europeu, contrapôs a este um argumento de ordem empírica: "Então por que há tantos classicistas idiotas?" (Quem estava presente conta que Rosado Fernandes adornou o dito com algumas obscenidades de belo efeito.)
c) Os clássicos tornam-nos melhores pessoas. Esta é tão parva que nem devia levar resposta. Durante o império romano houve um certo tipo de representações de tragédia - talvez o discurso poético clássico mais eticamente comprometido - que trouxe ao teatro numerosos rebanhos de gente: é que, a despeito da prescrição aristotélica, as mortes aconteciam em cena - um condenado à morte ou um escravo substituía o actor e a morte acontecia da maneira mais naturalista possível. Um espectáculo bastante edificante.
d) Se lerem os clássicos terão uma vida interior mais rica. Isso é bem capaz de ser verdade. Mas se se ler bons livros escritos à menos de mil e quinhentos anos, se se ouvir boa música, se se vir bons filmes, as probabilidades de isso acontecer também não são más. Em qualquer dos casos, quem passar tanto tempo a enriquecer a sua vida interior corre um sério risco de empobrecer a exterior.
e) Ler os clássicos dá um jeitão quando se quer ser culto. Por estranho que pareça, uma das minhas maiores angústias durante o curso era não ter tempo para ler. Houve um (excelente) professor que me pôs a contar palavras de um texto latino medieval; houve uma (excelente) professora que me pediu um trabalho sobre Celso (não, não falo do polemista pagão do séc. II, isso ainda seria tolerável, mas sim do autor/compilador/editor/tradutor - não se sabe ao certo - de um tratado médico do séc. I d.C.; uma nota sobre a obra: operações cirúrgicas sem anestesia fazem mais mal do que bem, diga lá o que Celso disser), um autor que eu tinha tanta vontade de ler como de tomar banho de água fria no Inverno. As boas horas de leitura que eu perdi com aquilo. E depois há as exigências da especialização: por que raio há-de o estudioso que passa os dias a trabalhar na sua edição de um manuscrito inédito que não interessa a ninguém, perdido numa velha, desconfortável e fria biblioteca, ir ler o último livro do Manuel de Freitas quando chega a casa? Ele quer é ver a bola e saltar para a espinha da mulher (não necessariamente por esta ordem, embora seja a mais usual).
f) Ler os clássicos é fixe. Esta, infelizmente, anda bastante na moda. Quem se der ao trabalho de estudar durante anos grego e/ou latim poderá ler os livros do Harry Potter nessas línguas (ganda cena!). Apenas com algumas horas de estudo de latim os cavalheiros poderão cortejar as suas damas dizendo coisas tocantes como "a abelhinha ama a rosa" e a amada poderá replicar "a rosa é bonita". Ainda estou para conhecer o tipo que estude grego durante anos para ir ler o Harry Potter ou que consiga sexo sem pagar graças ao latim. Já agora, o Frank Lampard do Chelsea, um tipo fixe, era um excelente aluno a latim (eles nunca se lembram desta).
g) Estudar os clássicos é saudável. Quem estuda os clássicos está menos sujeito a doenças degenerativas. Já Galeno mostrou, ao provar várias amostras de urina, que quem estuda as irregularidades do grego homérico não fica impotente antes dos 90.
A argumentação negativa está já contida na anterior, mas o orador, ora porque lhe faltava imaginação, ora porque procurava um pretexto para elevar o tom de voz e acordar as pessoas idosas estrategicamente sentadas no fundo da sala - nestas ocasiões há sempre pessoas idosas a ressonar no fundo da sala, nunca percebi porquê - lá a desenrolava:
a) Se não estudarem latim não saberão falar português, "e, sem saber falar português, como pedirão um bife quando forem ao talho? Morrerão de fome!" (Uma risada gregária atravessa friamente a sala. Até os velhinhos que estão a dormir se riem mentalmente com a piada pilhada a Aristófanes. Em seguida, se o orador for desajeitado o suficiente, tece algumas considerações rebuscadas sobre a "fome da mente" e aproveita para citar, muito a propósito, o autor sobre o qual escreveu a sua dissertação de doutoramento.)
b) Se não lerem Homero, Hesíodo, os líricos, Píndaro ... (e por aí fora, até Boécio) acabarão estúpidos. Se têm pretensões literárias não podem escrever uma palavra antes de ter lido Homero, Hesíodo, os líricos, Píndaro ... (e por aí fora, até Boécio).
c) Se são homossexuais não o podem ser antes de ter lido Platão, os líricos e a Antologia Palatina. Toda a gente sabe que os gregos eram amaricados.
d) Se são heterossexuais não o podem ser antes de ter lido Platão, os líricos e a Antologia Palatina. Toda a gente sabe que os gregos eram modelos de virilidade.
e) Se não lerem pelo menos 2/3 de Platão, 2/5 de Aristóteles e 7/10 das Cartas a Lucílio de Séneca acabarão por se tornar uns torturadores de criancinhas que se abstêm nas legislativas e tardam a pagar a renda da casa.
f) Se são cristãos têm de ler a Septuaginta e a Vulgata em grego helenístico e latim, respectivamente, ou vão parar aos Infernos e passarão a eternidade a deixar Aquiles ganhar ao xadrez com medo de apanharem uma coça.
Por esta altura eu normalmente saía para fumar e não voltava à sala. Contavam-me que a coisa acabava muito alegremente com a recitação de uma ode laudatória às virtudes do estudo das coisas clássicas - em grego antigo, à moda de Píndaro, com dorismos e tudo.
Aquilo na altura parecia-me bastante tonto. É que eu pensava que o estudo de grandes poetas e pensadores na língua original (e perde-se tanto na tradução) era um privilégio que não necessitava de justificação. Um privilégio desnecessário, bom em si mesmo.
Mas depois de ver este vídeo no youtube admito que há ocasiões em que ter-se decorado uns versos clássicos pode dar um jeito dos diabos:
a) Se não estudarem latim não saberão falar português, "e, sem saber falar português, como pedirão um bife quando forem ao talho? Morrerão de fome!" (Uma risada gregária atravessa friamente a sala. Até os velhinhos que estão a dormir se riem mentalmente com a piada pilhada a Aristófanes. Em seguida, se o orador for desajeitado o suficiente, tece algumas considerações rebuscadas sobre a "fome da mente" e aproveita para citar, muito a propósito, o autor sobre o qual escreveu a sua dissertação de doutoramento.)
b) Se não lerem Homero, Hesíodo, os líricos, Píndaro ... (e por aí fora, até Boécio) acabarão estúpidos. Se têm pretensões literárias não podem escrever uma palavra antes de ter lido Homero, Hesíodo, os líricos, Píndaro ... (e por aí fora, até Boécio).
c) Se são homossexuais não o podem ser antes de ter lido Platão, os líricos e a Antologia Palatina. Toda a gente sabe que os gregos eram amaricados.
d) Se são heterossexuais não o podem ser antes de ter lido Platão, os líricos e a Antologia Palatina. Toda a gente sabe que os gregos eram modelos de virilidade.
e) Se não lerem pelo menos 2/3 de Platão, 2/5 de Aristóteles e 7/10 das Cartas a Lucílio de Séneca acabarão por se tornar uns torturadores de criancinhas que se abstêm nas legislativas e tardam a pagar a renda da casa.
f) Se são cristãos têm de ler a Septuaginta e a Vulgata em grego helenístico e latim, respectivamente, ou vão parar aos Infernos e passarão a eternidade a deixar Aquiles ganhar ao xadrez com medo de apanharem uma coça.
Por esta altura eu normalmente saía para fumar e não voltava à sala. Contavam-me que a coisa acabava muito alegremente com a recitação de uma ode laudatória às virtudes do estudo das coisas clássicas - em grego antigo, à moda de Píndaro, com dorismos e tudo.
Aquilo na altura parecia-me bastante tonto. É que eu pensava que o estudo de grandes poetas e pensadores na língua original (e perde-se tanto na tradução) era um privilégio que não necessitava de justificação. Um privilégio desnecessário, bom em si mesmo.
Mas depois de ver este vídeo no youtube admito que há ocasiões em que ter-se decorado uns versos clássicos pode dar um jeito dos diabos:
Nota: Este discurso de Robert F. Kennedy, então senador dos Estados Unidos (por Nova Iorque), foi proferido a 4 de Abril de 1968, o dia do assassinato de Martin Luther King, em Indianapolis, perante uma audiência maioritariamente negra, exaltada pela dor da morte do seu líder espiritual. Robert Kennedy seria assassinado um mês (e dois dias) depois.
Aqui fica a tradução da estrofe onde ocorrem os versos citados por Robert Kennedy:
pois é Zeus que os mortais na senda do conhecimento
..........guia, que a aprendizagem por meio do sofrimento
estabeleceu como lei absoluta.
Goteja no coração em lugar do sono
a mágoa que memora a dor. E ainda que não desejada 180
..........a sabedoria virá.
Onde é a graça dos deuses,
violentamente sentados no divino assento do timoneiro?
Ésquilo, Agamémnon, vv. 176-183 (traduzo a partir da edição de West, que conserva a lição dos manuscritos; os últimos dois versos variam um pouco conforme a edição.)
Se eu tivesse dois polegares em cada mão levantaria quatro polegares de aprovação.
ResponderEliminarχάριν ἔχω
ResponderEliminarAchtung! Não era holandês!
ResponderEliminarAn incident occurred when Raul Miguel ROSADO FERNANDES (P, UFE), who was not in favour of the report, hit Freddy BLAK (DK, PES), who had expressed his support for it, in the face.
http://www.europarl.europa.eu/press/sdp/journ/en/1997/n9712173.htm
Ooooops. Obrigado.
ResponderEliminar