A época severa desviou-me.
A mim substituiram-me a vida. Para outro curso,
Passou a fluir perto de outro,
E eu as minhas margens não conheço.
Oh, quantos espectáculos eu perdi,
E a cortina erguia-se sem mim
E sem mim caía. Quantos amigos
Meus nenhuma vez na vida encontrei,
E quantos contornos de cidades
Aos meus olhos poderiam fazer vir lágrimas,
Mas eu conheço uma única cidade no mundo
E às cegas encontrá-la-ia no sono.
E quantos versos não escrevi,
E o seu coro secreto vagueia em meu redor,
E talvez, ainda em qualquer altura
Me estrangulem...
Por mim são conhecidos os princípios e os fins,
E a vida depois do fim, e algo
Que não vale a pena lembrar agora.
E uma mulher qualquer o meu
Lugar único ocupou,
Leva o meu nome legítimo,
Tendo-me deixado a alcunha, da qual
Eu fiz, julgo, tudo o que foi possível.
Eu não me deito, ah, no meu túmulo.
(...)
Anna Akhmatova, Poemas, Joaquim Manuel Magalhães e Vadim Dmitriev (trads.), Relógio d'Água, 2003 (segunda edição).
Sem comentários:
Enviar um comentário