terça-feira, 17 de agosto de 2010

Há pouco estava a pensar neste quadro

























A história do quadro é contada aqui. A coisa que nele mais me impressiona, à parte ser um pouco frustrante estarem todos vestidos à moda da época de Caravaggio, é que sempre me pareceu que tudo isto se passa num momento de silêncio absoluto. Que o Cristo nunca chega a pronunciar palavra nenhuma, limita-se a olhar com aquele ar determinado e a apontar para Mateus e, no momento em que ele levantar os olhos, distraído por um instante pela impressão que algo em redor dele se passa, vai simplesmente levantar-se e seguir o outro. Citando um amigo, trata-se de uma coisa do Caravaggio.

1 comentário:

  1. Quando em Dezembro passado estive em Roma, tive a benção de ver este Caravaggio ao vivo, que me impressionou imensamente e ainda hoje, por vezes, dou por mim a relembrá-lo, sem porquê. Apenas uma coisas: eles não estão todos vestidos à moda da época do Caravaggio - Cristo e Pedro (agora que penso, não sei se é mesmo Pedro aquele companheiro de Jesus, mas sempre o imaginei como sendo Simão, de facto) têm roupas mais ou menos ao estilo da época romana (aquelas cores garridas são bastante improváveis, mas aquele azul e vermelho fortes resultam de uma convenção iconográfica religiosa). Quando vi o quadro, ia com uma amiga que me ofereceu a seguinte explicação para esta discrepância (duas modas no mesmo quadro): Mateus e os outros estão vestidos à moda da época de Caravaggio porque o apelo de Cristo à conversão, à mudança de vida, é um apelo também e sobretudo, na forma que o pintor lhe dá, dirigido aos seus contemporâneos, os homens do tempo de Caravaggio. O pintor representa, no fundo, o espectador na figura de Mateus e dos outros em torno da mesa: quem vê o quadro é o verdadeiro destinatário do gesto de Cristo, que atravessa os tempos, vindo de há (naquele tempo) coisa de 1600 anos atrás. O anacronismo do quadro está, assim, não tanto nas pessoas vestidas à século XVI, mas no Cristo que subitamente interrompe aquela cena do quotidiano contemporâneo do pintor, para renovar o seu chamamento. Parece-me esta uma explicação muito boa, tanto mais que nos dois restantes quadros do tríptico, São Mateus aperece vestido à época, realisticamente. Dito isto, gosto muito da tua análise do silêncio no quadro: é fácil imaginar a pintura como um fotograma de um filme mudo.

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