segunda-feira, 23 de agosto de 2010

3.

Quem saberá como e por que nasce uma vocação para a solidão?
Giorgio Bassani

traz pela mão a bicicleta e ouve-se o barulho
do dínamo roçando na roda na outra mão dois
três livros e caminha com pequenos passos
apressados a verdade é que este rapaz
não poderia suportar outra palavra
mais nenhuma hora passada debaixo
de luzes eléctricas a biblioteca fechada
sobre o seu silêncio sepulcral
ele desta violência que impele o corpo
nunca conformado à cadeira onde fica horas a fio sentado
pouco sabe mas segue sempre o impulso de fugir
resta-lhe por isso avançar concretamente sobre
a sombra branca do muro os segundos passando
com um ritmo doido de roda de bicicleta
o tempo torna-se de repente tolerável
indo para sul antes da corrente das palavras é preciso
ter olhado e seguido o rio próximo e tê-lo visto
fechado na verdura cega dos pássaros que cantam
concreto como o instinto de um movimento
que em plena solidão dispara e dispersa
o contágio de deixar morrer a tarde imóvel
o movimento é na verdade a única coisa que acontece
oh e se guardares esta imagem se ela
inundada de palavras correr para a memória
se ficar onde anos mais tarde a puderes ir buscar
recorda-te dele assim sem pena e sem mágoa trepando ao muro
acenando um breve não antes de se lançar para o outro lado do tempo
a alegria breve de seguir o primeiro impulso o limite atravessado

2 comentários:

  1. Bonito, Tatiana. Escreva... ou publique mais.

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  2. Obrigada Nils. Eu escrevo muito, mas publicar parece-me, para já, secundário.

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