Um toque de trompa, à noitinha, provocava uma tentação entre os bebedores. «O Rei bebe, a Rainha ri». Mas bebiam sem falar, sem cantar, sem orar. Muitos estavam recolhidos, sob muitos tectos, cada qual com a sua caneca. E no entanto havia o mesmo silêncio que o arauto ordenava durante o sacrifício. As crianças tinham também a sua mesa e a sua caneca, mas calavam-se. Um hóspede invisível estava entre eles: Orestes, o impuro, que um dia procurara refúgio em Atenas. Ninguém ousara acolhê-lo, mas também ninguém ousara escorraçá-lo. Atenas ama os culpados. Sentado sozinho a uma mesa, com uma caneca só para ele, o matricida bebera em silêncio. E assim se passara o primeiro dia de festa, o Coe.
Roberto Calasso, As Núpcias de Cadmo e Harmonia, Maria Jorge Vilar de Figueiredo (trad.), Livros Cotovia, 1990.
Roberto Calasso, As Núpcias de Cadmo e Harmonia, Maria Jorge Vilar de Figueiredo (trad.), Livros Cotovia, 1990.
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