Quando olhei uma vez para a senhora ministra Firnberg, era este o seu nome, vi que ela tinha adormecido, o que também não passou desapercebido ao presidente Hunger, pois a ministra ressonava, ainda que muito baixinho, mas ressonava, ela ressonava o leve ressonar ministerial, que é mundialmente conhecido. A minha tia seguia com a maior atenção o chamado acto solene e de vez em quando olhava para mim com ar de aprovação, quando uma expressão num dos discursos era muito estúpida ou mesmo só muito cómica. Tínhamos ambos a nossa própria vivência do acontecimento. Por fim, depois de passada cerca de hora e meia, o presidente Hunger levantou-se, subiu para o pódio e anunciou a atribuição do Prémio Grillparzer à minha pessoa. Leu algumas palavras elogiosas ao meu trabalho, não sem indicar os títulos de algumas peças de teatro que deviam ser minhas, mas que eu de modo algum tinha escrito, e enumerou uma série de celebridades europeias que tinham sido antes de mim galardoadas com o Prémio Grillparzer. O senhor Bernhard recebia o prémio pela sua peça Ein Fest für Boris, disse Hunger (a peça que um ano antes tinha sido muito mal representada pelo Burgtheater no Akademietheater) e depois abriu os braços, como se me quisesse abraçar. Era esse o sinal para que eu subisse ao pódio. Eu levantei-me e dirigi-me ao Hunger. Ele apertou-me a mão e deu-me o chamado diploma de mérito, cuja falta de gosto, como a de todos os outros diplomas de prémios que recebi, era inexcedível. Eu não ia com intenção de dizer fosse o que fosse no pódio, nem tal me fora pedido. Assim, para obviar o meu embaraço, disse só um breve Obrigado! e desci para a sala e sentei-me. A seguir o senhor Hunger sentou-se também e os Filarmónicos tocaram uma peça de Beethoven. Enquanto os Filarmónicos tocavam, pensei em toda a cerimónia que estava a terminar e de cuja estranheza e insipidez e falta de tacto naturalmente ainda não me pudera aperceber. Mal os Filarmónicos tinham acabado de tocar, a ministra Firnberg levantou-se e imediatamente também o presidente Hunger e ambos se dirigiram para o pódio. Entretanto toda a gente na sala se havia levantado e procurava, acotovelando-se, aproximar-se do pódio, naturalmente para chegar junto da ministra e do presidente Hunger, que estava a falar com ela. Eu fiquei com a minha tia como que postos de lado e cada vez mais perplexos, ouvindo a crescente excitação do vozear das cerca de mil pessoas. Passado algum tempo, a ministra olhou em volta e perguntou, com uma arrogância e estupidez inimitáveis na voz: então onde é que está o versejador? Eu estava mesmo ao lado dela, mas não me atrevi a dar-me a conhecer. Puxei a minha tia e saímos da sala.
Thomas Bernhard, Os Meus Prémios, Quetzal Editores, Lisboa, 2009 (trad. de José A. Palma Caetano)
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