Durante a mocidade, as mais áridas indiferenças, as mais cínicas grosserias chegam a ser desculpadas como extravagâncias passionais e como indícios sei lá de que inexperiente romantismo. Mais tarde, porém, quando a vida nos mostrou tudo quanto pode exigir de cautela, crueldade, malícia, para podermos mantê-la melhor ou pior a trinta e sete graus, repara-se que estamos esclarecidos, bem colocados para compreender todas as sacanices que um passado encerra. Basta que a respeito de tudo e em tudo nos contemplemos escrupulosamente a nós próprios e àquilo a que chegámos quanto a imundície. Acabou-se o mistério, acabou-se a tolice, devorámos toda a nossa poesia uma vez que vivemos até esse momento. É nada de nada, a vida.
Louis-Ferdinand Céline, Viagem ao Fim da Noite, Ulisseia, 2010
Louis-Ferdinand Céline, Viagem ao Fim da Noite, Ulisseia, 2010
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