terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Tenho um medo terrível

Tenho um medo terrível de ser um animal
de branca neve, que sustentou pai
e mãe, com sua única circulação venosa,
e que, neste dia esplêndido, solar e arquiepiscopal,
dia que representa assim a noite,
linearmente
elude este animal estar contente, respirar
e transformar-se e ter dinheiro.

Seria enorme mágoa
que eu fosse homem até esse ponto.
Um disparate, uma premissa ubérrima
a cujo jugo ocasional sucumbe
o gozo espiritual da minha cinta
Um disparate... Entretanto,
é assim, para cá da cabeça de Deus,
na tabela de Locke, de Bacon, no lívido pescoço
da besta, no focinho da alma.

E na lógica aromática,
tenho esse medo prático, neste dia
esplêndido, lunar, de ser aquele, este talvez,
a cujo olfacto cheira a morto o solo,
o disparate vivo e o disparate morto.

Oh espojar-se, estar, tossir, enfaixar-se,
enfaixar a doutrina, as têmporas, de ombro a ombro,
afastar-se, chorar, dá-lo por oito
ou por sete ou por seis, por cinco ou dá-lo
pela vida que possui três potências.

22 Out. 1937

César Vallejo, Antologia Poética, José Bento (trad.), Relógio d'Água, 1992


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