quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Paro um pouco a enrolar o meu cigarro (chove)
e vejo um gato branco à janela de um prédio bastante alto
Penso que a questão é esta: a gente - certa gente - sai para a rua,
cansa-se, morre todas as manhãs sem proveito nem glória
e há gatos brancos à janela de prédios bastante altos!
Contudo e já agora penso
que os gatos são os únicos burgueses
com quem ainda é possível pactuar -
vêem com tal desprezo esta sociedade capitalista!
Servem-se dela, mas do alto, desdenhando-a...
Não, a probabilidade do dinheiro ainda não estragou inteiramente
o gato
mas de gato para cima - nem pensar nisso é bom!
Propalam não sei que náusea, retira-se-me o estômago só de olhar
para eles!
São criaturas, é verdade, calcule-se,
gente sensível e às vezes boa
mas tão recomplicada, tão bielo-cosida, tão ininteligível
que já conseguem chorar, com certa sinceridade,
lágrimas cem por centro hipócritas.

Cesariny, Uma Grande Razão: Os Poemas Maiores, Assírio & Alvim, 2007

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