quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Contra a «abibliografação»

1. Não o escrevas se sentes que não tens nada a dizer.
2. Não o escrevas se estás demasiado impressionado com o teu próprio brilhantismo e tens esperança que outros também venham a ficar maravilhados com a tua inteligência, especialmente se essa for a tua única motivação para o escrever.
3. Não o escrevas se o vais fazer just for petty annoyance em relação ao tipo que escreveu sobre o assunto antes de ti.
4. Não o escrevas se acima de tudo não estiveres à procura de iluminar a verdade sobre o assunto sobre o qual pretendes debater. De tudo o que tenho lido, aprendi que ainda é tolerável se a verdade que te propões procurar for uma daquelas mesquinhas, de ordem pessoal e altamente idiossincrática (estas às vezes conseguem ser as melhores de todas).
5. Não o escrevas se não tens vontade de estudar a fundo o que quer que seja necessário estudar para que o possas escrever.
6. Não o escrevas se não tiveres vontade de no fim ficares exposto ao necessário contraditório de quem quiser ou puder discutir contigo a ideia que defendeste.
7. Não o escrevas se não sentires rigorosamente nada em relação ao assunto com que te debates. Se for um assunto neutro, se não te diz nada, diria que é preferível que nem lhe pegues.
8. Se não vais trazer rigorosamente nada de novo ou propor um ponto de vista ligeiramente diferente, que possa esclarecer qualquer coisa nova em relação ao assunto, não o escrevas.
9. Se vais dar erros ortográficos na língua estrangeira que terás de manipular para o escrever, ou, mais simplesmente, se sabes que dás erros ortográficos ou se tens dúvidas de sistematização para evitar calinadas, procura quem perceba do assunto antes de o escreveres e pede-lhe que te explique o que não percebes, ou não o escrevas.
10. Se o vais escrever porque querias era pertencer à bibliografia activa mas achas que o teu talento vai deixar siderados os gajos da bibliografia passiva, sucedendo, ao mesmo tempo, achares secundário o conteúdo do que tens a dizer, não o escrevas.

Porque, para acabares a escrever coisas da ordem desta: «Não é preciso escrever, muito menos ser Pessoa para se sentir melancolia. Até o Zé da esquina e o Zé do centro da rua e o Zé que varre a calçada, sabe que o pensamento dói. Evidentemente que sim - Todo [sic] o poeta é um melancólico. E Bernardo Soares, o poeta que o não foi, seria ainda melancólico por esta falência.» - acredito (e esta é só a minha opinião) que mais vale que não o escrevas.

1 comentário:

  1. 5. Não o escrevas se não tens vontade de estudar a fundo o que quer que seja necessário estudar para que o possas escrever.

    Por isto o meu romance está parado. Após quase cinco anos de pesquisa.

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