sábado, 7 de novembro de 2009

Hamlet

Tudo se cala. E subo para o palco.
Encosto o ouvido à porta, pressentindo,
No rumor surdo de uma voz longínqua,
Já o eco de tudo o que me aguarda.

A noite negra fez de mim seu alvo,
Sobre mim cem binóculos lançou.
Abba, ó pai, se acaso, ainda podes,
Ordena que este cális me não caiba.

É certo no entanto que me agrada
O papel que me deu teu duro intento.
Outro drama, porém, preenche a cena:
Dá-me por esta vez a liberdade.

Mas a ordem dos actos foi pesada
E o desfecho também, sem remissão.
Só. E os fariseus, senhor's em todo o lado.
Viver é mais que atravessar um campo.

Boris Pasternak «Versos de Iuri Jivago», O Doutor Jivago (1957) in Vozes da Poesia Europeia III, Colóquio Letras 165, David Mourão Ferreira (trad.), Fundação Calouste Gulbenkian, Setembro-Dezembro de 2003.

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