Embora se diga que nada conhecemos sobre o estado de espírito de Shakespeare, mesmo ao dizê-lo estamos a dizer qualquer coisa sobre o seu estado de espírito. Talvez a razão porque sabemos tão pouco de Shakespeare - comparado com Donne ou Ben Johnson ou Milton - seja a de ignorarmos os seus rancores, despeitos e antipatias. Não estamos limitados por qualquer «revelação» que nos recorde o escritor. Todo o desejo de protestar, de gritar, de proclamar uma injúria, de um ajuste de contas, de transformar-nos numa testemunha de uma dificuldade ou ofensa, tudo isso foi por ele posto de parte e destruído. Portanto a sua poesia flui livre e sem entraves. Se alguma vez um ser humano conseguiu que a sua obra alcançasse a realização plena, esse foi Shakespeare. Se alguma vez um espírito foi genial, sem limites, pensei voltando-me outra vez para a estante, esse foi Shakespeare.
Virginia Woolf, Um Quarto Só Para Si, Maria de Lourdes Guimarães (trad.), Relógio d'Água, 2005
Virginia Woolf, Um Quarto Só Para Si, Maria de Lourdes Guimarães (trad.), Relógio d'Água, 2005
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