quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Shakespeare segundo Virginia Woolf

Embora se diga que nada conhecemos sobre o estado de espírito de Shakespeare, mesmo ao dizê-lo estamos a dizer qualquer coisa sobre o seu estado de espírito. Talvez a razão porque sabemos tão pouco de Shakespeare - comparado com Donne ou Ben Johnson ou Milton - seja a de ignorarmos os seus rancores, despeitos e antipatias. Não estamos limitados por qualquer «revelação» que nos recorde o escritor. Todo o desejo de protestar, de gritar, de proclamar uma injúria, de um ajuste de contas, de transformar-nos numa testemunha de uma dificuldade ou ofensa, tudo isso foi por ele posto de parte e destruído. Portanto a sua poesia flui livre e sem entraves. Se alguma vez um ser humano conseguiu que a sua obra alcançasse a realização plena, esse foi Shakespeare. Se alguma vez um espírito foi genial, sem limites, pensei voltando-me outra vez para a estante, esse foi Shakespeare.

Virginia Woolf
, Um Quarto Só Para Si, Maria de Lourdes Guimarães (trad.), Relógio d'Água, 2005


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