quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Na parede havia um calendário

Na parede havia um calendário parado em julho de mil novecentos e trinta e cinco, daguerreótipo que o bolor devorara, lamparinas de azeite, santinhos, uma ovelha de barro ao centro da mesa a passar o seu oval de crochet, até eu juntar dinheiro para uma casa na Cuca, meter cinco dias de férias e te levar comigo para uns lençóis como estes em que definho à tua espera, submergido pela bronquite do marujo e por barlaventos e sotaventos que ignoro e me angustiam, por brisas de tempestade, por promontórios intactos procurados pela tremura exaltada das bússolas.

António Lobos Antunes, As Naus, D. Quixote, 2006.

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