quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Lixboa

mas palavra que nunca pensei que Lixboa fosse este dédalo de janelas de sacada comidas pelos ácidos do Tejo, as vacas sagradas destes rebanhos de eléctricos, estas mercearias de saquinhos de amêndoas e de garrafas de licor, palavra que imaginava obeliscos, padrões, mártires de pedra, largos percorridos pela brisa sem destino da aventura, em vez de travessas gotosas, de becos reformados e de armazéns nauseabundos, palavra que imaginava uma enseada repleta de naus aparelhadas que rescindiam a noz-moscada e a canela, e afinal encontrei apenas uma noite de prédios esquecidos a treparem para um castelo dos Cárpatos pendurados no topo, uma ruína com ameias em cuja hera dormiam gritos estagnados de pavões.

António Lobo Antunes, As Naus, D. Quixote, 2006

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