quinta-feira, 4 de março de 2010

Enjeitados

Uma vez falei com a M. sobre o meu projecto sério de doutoramento (tenho outro projecto de doutoramento para além do sério mas ninguém acredita que seja um projecto de doutoramento a sério). A M. diz caralhadas em italiano enquanto lhe tento explicar a coisa, o que é giro, e pergunta-me se, indo trabalhar o tema, penso abordar a figura de José. E eu digo-lhe que não, que prefiro Moisés. E ela diz-me que detesta favoritos e eu digo-lhe que também, que prefiro os enjeitados. Mas fiquei a pensar nisso. O José não era um favorito, ou só em aparência. Favorito do pai talvez, o que entra na soma daquela sneaky little joke que os irmãos lhe fizeram, e a coisa não acabou lá muito bem para ele, pelo menos temporariamente. Aquelas horas todas dentro de uma cisterna?, ser vendido como escravo?, ele pagou bem o ser o favorito. Não se consegue na verdade simpatizar com José. Caramba. Eu pelo menos não consigo. Com o Benjamin sim, mas com o José? E, depois, o Moisés é brutal. Brutal. Ma che brutta chosa. Mas venho para casa a pensar nisto de Moisés ser um enjeitado. Mas o sacana era um favorito. Lixa-se no fim, é verdade. Mas tudo nele, desde a fuga do Egipto até se lixar, é βὲλτιστος (não temos em português um adjectivo que traduza isto, é qualquer coisa como excelentíssimo em tudo e extraordinário ao cubo).
Pronto. Eis uma coisa que eu e Fílon de Alexandria temos em comum. Uma admiração desmesurada por Moisés. Só que nele é uma visão filtrada por fé e adoração. Para mim é tudo literatura.

Sem comentários:

Enviar um comentário