sexta-feira, 12 de março de 2010

Amávamos ambos a mesma mulher, ele ia à frente e eu, a quem ele não via, ia atrás, e quando entrámos no dédalo de ruas que, a esta hora, até as matilhas de cães vadios abandonam, nesta Istambul silenciosa onde os djinns estão emboscados nas ruínas calcinadas, onde, nos pátios das grandes mesquitas, os anjos se enroscam nos vãos das colunas e nas copas dos ciprestes murmurantes de fantasmas, nesta cidade dos cemitérios cobertos de neve e fervilhando de espectros, ao irmos assim nós dois, roçando os mesmos assassinos à espreita, as mesmas lojas sem fim, os estábulos e os conventos, as fábricas de velas e de curtumes, penso que já não era eu o perseguidor nem ele o perseguido, mas que eu o imitava, e que ele era meu irmão.

Orhan Pamuk, O Meu Nome é Vermelho, Filipe Guerra (trad.), Editorial Presença, 2007


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