quarta-feira, 30 de novembro de 2011

"Somebody up there likes me" de Robert Wise, 1956

Of Beauty and Consolation

Online aqui, god dammit!

To a standstill

Like that slow-motion moment
When a woman weighs the wool
Her poor old spider hands
Work all night spinning a living for her children
And then she stops
She soothes the scales to a standstill

Alice Oswald, Memorial, Faber & Faber, 2011

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Like when the rainy fog

Brave Hypsenor the stump of whose hand
Lies somewhere on the battlefield
He was the son of Dolopion the river-priest
Now he belongs to a great red emptiness

Like when the rainy fog pulls down its hood on the mountains
Misery for the herdsmen better than night for the thief
You can see no further than you can throw a stone

Alice Oswald, Memorial, Faber & Faber, 2011

He became every book that he was reading

domingo, 27 de novembro de 2011

Sarpedon

Sarpedon the son of Zeus
Came to this ungreen ungrowing ground
Came from his cornfields from his leafy river
From his kingdom of paths and apple groves
And was killed by a spear
Then for a long a time he lay crumpled as linen
Until two soft-voiced servants Sleep and Death
Carried him home again they left him
Folded on the grass and a breeze from heaven
Almost lifted him up almost shook him out
And set him sighing and whispering but no one
Not even a great man not even a son of Zeus
Can buy or steal or borrow back his own last breath
Once he has hissed it out
Through the shutter of his teeth

Like the blue flower of the sea
Being bruised by the wind
Like when the rain-wind
Bullies the warm wind
Battering the great soft sunlit clouds
Deep scoops of wind
Work the sea into a wave
And foam follow wandering gusts
A thousand feet high

Alice Oswald, Memorial, Faber & Faber, 2011

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Rapariga de olhar vivo

Da sagrada Tebas, da Plácia de fontes perenes, Heitor
e os seus homens trazem, nas suas naus pelo mar salgado,
Andrómaca, rapariga de olhar vivo e delicada. Trazem muitas
pulseiras de ouro e perfumadas vestes cor de púrpura,
brinquedos vários, numerosas taças de prata e marfim.

Excerto do fragmento 44 de Safo.

Versão minha a partir da edição crítica de Eva-Maria Voigt (Amsterdão 1971).

So look at my face, Marie Claire

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Glass Flowers

I

I would bring the glass flowers to the broken marriages
Because of their flowering time, the once and for all
Hard petals, cups and saucers from a doll's house,
The imaginary roots that grow into the table.

II

The glass iron cooling in your hand will double as
A darning last, a curve of light beneath the holes:
Let me rock along the seams with it before your
Breath condenses on heels and elbows made of glass.

Michael Longley, Gorse Fires, Cape Poetry, 2009.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Bêbado na Lua

Gorse Fires

Cattle out of their byres are dungy still, lambs
Have stepped from last year as from an enclosure.
Five or six men stand gazing at a rusty tractor
Before carrying implements to separate fields.

I am travelling from one April to another.
It is the same train between the same embankments.
Gorse fires are smoking, but pimroses burn
And celandines and white may and gorse flowers.

Michael Longley, Gorse Fires, Cape Poetry, 2009.

domingo, 20 de novembro de 2011

"Viaggio in Italia" de Roberto Rossellini, 1954

Fragmento 39 de Safo

<...> variegadas faixas
cobrem os pés,
o belo trabalho lídio <...>

.. πόδας δὲ
ποίκιλος μάσλης ἐκάλυπτε,
Λύδιον κάλον ἔργον.

Tradução minha, a partir da edição crítica de Eva-Maria Voigt (Amsterdão, 1971).

***
Este fragmento conservou-se porque - se não me falha a memória - é mencionado num escólio a Aristófanes, como exemplo de que os Lídios eram artesãos famosos já no tempo de Safo. Uma imagem de sandálias bonitas, sinal talvez de uma condição elevada, escolha de calçado feita talvez por uma mulher elegante ou ponderada, tudo o que de um poema se salvou.

sábado, 19 de novembro de 2011

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"Lost In Translation" de Sofia Coppola, 2003

Fragmento 24a de Safo

<...>
tu irás recordar-te
porque em conjunto na juventude
fizemos estas coisas

muitas belas coisas
<...>
<...>

Tradução minha, a partir da edição crítica de Eva-Maria Voigt (Amsterdão, 1971).

Madame Butterfly

Through atmospherics I hear you die again.
Death is white as your lover's uniform, as snow
When it covers the whiteness of almond petals.
Worse weather blows your papery house away.
Now I listen for the snow bunting's arrival,
A flute-note from crevices and rocky scree.

Michael Longley, Gorse Fires, Cape Poetry, 2009.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Image-making love

Always
at the core of me
burns a small flame of anger, gnawing
from trespassed contacts, from hot, digging-in fingers of love.

Always
in the eyes of those who loved me well
I have seen at last the image of whom they loved
and took for me,
mistook for me.

And always
it was a pretty monkey that resembled me
and was a gibe at me.

So now I want above all things
to preserve my nakedness
from the gibe and finger-clutch of image-making love.

D. H. Lawrence in Imagist Poetry, Penguin Books, 1972

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Man

Man is an extraordinarily fixed and limited animal whose nature is absolutely constant. It is only by tradition and organization that anything decent can be got out of him.

T. E. Hulme, Speculations, 1960

Where will we be, on a spaceship somewhere, lalalalalala... bom dia

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Resposta à lembrança exacta

A linguagem perdeu a sua aptidão própria para a verdade e para a honestidade política ou pessoal. Vendeu, e vendeu ao desbarato, os seus mistérios de intuição profética e as suas capacidades de resposta à lembrança exacta. Na prosa de Kafka, na poesia de Paul Celan ou de Mandelstam, na linguística messiânica de Benjamin e na estética e na sociologia política de Adorno, a linguagem funciona, de maneira insegura, no gume cortante do silêncio. Agora sabemos que se a Palavra «era no princípio», também pode ser no fim: que existe um vocabulário e uma gramática dos campos da morte, que as detonações termo-nucleares podem ser designadas como «Operation Sunshine». Seria como se a quinta-essência, o atributo que identifica o homem - o Logos, o orgão da linguagem - se tivesse quebrado dentro das nossas bocas.

George Steiner, "Presenças Reais", in Paixão Intacta, Margarida Periquito e Victor Antunes (trads.), Relógio d'Água, p. 37

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

"L'Eclisse" de Michelangelo Antonioni, 1962

Nothing to save

There is nothing to save, now all is lost,
but a tiny core of stillness in the heart
like the eye of a violet.

D. H. Lawrence in Imagist Poetry, Penguin Books, 1972

Dia de chuva em Roma

ΔΏΡΙΑ (Dória)

Be in me as the eternal moods
of the bleak wind, and not
As transient things are —
gaiety of flowers.
Have me in the strong loneliness
of sunless cliffs
And of gray waters.
Let the gods speak softly of us
In days hereafter,
the shadowy flowers of Orcus
Remember thee.

Ezra Pound in Imagist Poetry, Penguin Books, 1972

sábado, 12 de novembro de 2011

The Unquiet Street

By day and night this street is not still;
Omnibuses with red tail-lamps,
Taxicabs with shiny eyes,
Rumble, shunning its ugliness.
It is corrugated with wheel-ruts,
It is dented and pockmarked with traffic,
It has no time for sleep.
It heaves its old scarred countenance
Skyward between the buildings
And never says a word.

On rainy nights
It dully gleams
Like the cold tarnished scales of a snake:
And over it hang arc-lamps
Blue-white death-lilies on black stems.

John Gould Fletcher, in Imagist Poetry, Penguin Books, 1972.

Farol






































Laço
























Carregou no botão de enviar e pensou no Carver, que dizia que no final, tudo somado e subtraído, o que resta são palavras e que, assim sendo, é conveniente que (também as que enviamos) sejam as certas. Duas mil e quinhentas palavras é coisa pouca, basta uma palavra errada. Não tanto uma questão de economia como de efeito, portanto (make it count). O que aconteceu é que depois se lembrou de Roberto Calasso, que dizia que tudo o que nos prende, independentemente da qualidade da relação com o que nos prende, é um laço. Que é uma citação inesquecível sobretudo porque Calasso rima com laço. Mas não era isso ainda. Era a outra impressão sobre estas duas, que muitos dos nossos laços são só de palavras, que essa será a intimidade máxima que nos será concedida com as coisas que amamos, os nossos pequenos golpes de imaginação que recriam tempos por onde já não podemos caminhar (traz há dias na cabeça um texto em que conta a primeira vez que te viu, começa com a descrição do que trazias vestido, passa para o modo como acendeste o cigarro [marlboro], quando levantaste o rosto estava já vagamente apaixonada, a história da rapariga que há uns anos viu fugazmente um rapaz num corredor movimentado- o que digo, o laço com um tempo que já não existe, a ténue ponte para as coisas que nos importam, palavras só, é preciso escolhê-las bem, disse Carver). Mas não era isso, a justaposição da ideia de que só as palavras restam e que muitos dos nossos laços são só feitos por elas prefigura uma soma que me fez pensar no poeta Ruy Belo, Homem de Palavra[s].

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Evening

The light passes
from ridge to ridge,
from flower to flower -
the hypaticas, wide-spread
under the light
grow faint -
the petals reach inward,
the blue tips bend
toward the bluer heart
and the flowers are lost.

The cornel buds are still white,
but shadow dart
from the cornel-roots -
black creeps from root to root,
each leaf
cuts another leaf from the grass,
shadow seeks shadow,
then both leaf
and shadow-leaf are lost.

H.D. in Imagist Poetry, Penguin Books, 1972.

The 'Image'

There is a sort of poetry where music, sheer melody, seems as if it were just bursting into speech. There is another sort of poetry where painting or sculpture seems as it were 'just coming over into speech'. The first sort of poetry has long been called 'lyric'... The other sort of poetry is as old as the lyric and as honourable, but until recently, no one named it. Ibycus and Liu Ch'e presented the 'Image'. Dante is a great poet by reason of this faculty, and Milton is a wind-bag because of his lack of it. The 'Image' is the furthest removed from rhetoric. Rhetoric is the art of dressing up some unimportant matter so as to fool the audience for the time being... As a 'critical' movement, the 'Imagism' of 1912 to '14 set out 'to bring poetry up to the level of prose'.

Ezra Pound, The Fortnightly Review, 1914, p. 468.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

"The Darjeeling Limited" de Wes Anderson, 2007

Quando o tempo é de Setembro

Quando o tempo é de Setembro
um tempo rente
quando as mãos se alongam deslocadas
no córrego da luz e os dedos tocam
o imparável refluir dos horizontes
e as vozes tentam assomar
por sobre o levantar das vagas
flexão de dorsos e o alastro de
manchas brancas em uma pele azul
esteira de veias deslaçadas ao ímpeto
daquele querer cercado, daquele
poder sem outro por que
assim se vergue;
e repetido

no terraço, à tarde
um tanto clamor se enlaça um ser-passado
por entre a humidade ácida,
a oxidação dos ossos

foram mãos espalmadas contra a luz
passos sem peso e sem sandálias
no terraço, tempo óxido e ido

delido país - por entre camarinhas,
carreiro de sapos que a noite dava
à contemplação

Maria Andresen de Sousa, Lugares, Relógio d'Água, 2001

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Escuta

Irmão, por favor, não estejas sempre a interromper-me. O teu riso jovem e tolo asfixia as ideias. Escuta! Presta bem atenção. O que te digo pode um dia vir a ser-te útil. Acima de tudo: não tentes ir contra a corrente. Ir contra a corrente, irmão, isso não existe, porque talvez não haja nada no mundo por que valha a pena lutar. E, porém, tens de lutar sempre, apaixonadamente até. Mas para que não te tornes demasiado ávido: lembra-te bem: não há nada por que valha a pena lutar. Tudo está apodrecido. Compreendes isto?


Robert Walser, Jakob von Guten: Um Diário, Isabel Castro Silva (trad.), Relógio d'Água, 2005.

Prémio Agustina Bessa Luís

Muitos parabéns, Tiago!!!

Notinha de rodapé

Corifeu
Como se de uma criança se tratasse, ancorou-a em faixas, porto seguro.

Nota do tradutor: "Metáfora arrojada, ignorada pela generalidade dos tradutores." [I.e. Tunga! Vejam lá como eu traduzo bem!]

O que diz o texto:

ἐν σπαργάνοισι παιδὸς ὁρμίσαι δίκην.
Ancorou-a em faixas [i.e., pôs-lhe fraldas, fala-se de uma serpente], como a uma criança.

O verso seguinte é:
"E que alimento reclamou o monstro recém-nascido?"

A palavra traduzida por monstro (δάκος) significa mais propriamente "animal que morde". Pela mesma ordem de ideias não se esperaria uma notinha de rodapé?

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

"The Royal Tenenbaums" de Wes Anderson, 2001

Zero

De vez em quando naufragava uma frota carregada de prata no oceano. A humanidade tentou desde sempre recuperar os tesouros afundados. No meu coração já se afundaram tantas frotas e toda a vida hei-de tentar trazer à superfície uma parte dos muitos tesouros que jazem lá no fundo. Ainda não tenho as ferramentas necessárias para isso. Vou ter de as fabricar a partir do zero.

Etty Hillesum, Diário: 1941-1943, Maria Leonor Raven-Gomes (trad.), Assírio & Alvim, 2009 (3ª ed.).

Golpe d'Asa: Lançamento

Do ténis e dos nazis

Bien avant la séparation des deux pays, alors que j'étais encore un enfant, je faisais déjà la distinction, grâce au tennis, entre Tchèques et Slovaques. Par exemple, je savais qu'Ivan Lendl était tchèque, alors que Miroslav Mecir était slovaque. Et si Mecir le Slovaque était un joueur plus fantaisiste, plus talentueux et plus sympathique que Lendl le Tchèque, laborieux, froid, antipathique (mais tout de même numéro 1 modial pendant 270 semaines, record seulement battu par Pete Sampras avec 286 semaines), j'avais égalemente appris de mon père que, pendant la guerre, les Slovaques avaint collaboré tandis que les Tchèques avaient résisté. Dans ma tête (dont la capacité à percevoir l'étonnante complexité du monde était alors très limitée), cela signifiait que tous les Tchèques avaient été des résistants, et tous les Slovaques des collabos, comme par nature. Pas une seconde je n'avais pensé au cas de la France, qui pourtant remettait en cause un tel schématisme: n'avions-nos pas, nous, Français, à la fois résisté et collaboré?

Laurent Binet, HHhH

sábado, 5 de novembro de 2011

4.1

So it was nothing, nothing at all,
the loss, the gain; it was nothing,
the victory, the shouting

and Hector slain; it was nothing
the days of waiting were over;
perhaps his death was bitter,

I do not know; I am awake,
I see things clearly; it is dawn,
the light has changed only a little,

the day will come;
did he speak to me?
he seemed to say, it was nothing,

the arid plain, only the wind,
tearing the canvas loose,
and the tent-pole swaying,

and I lying on my pallet, awake
and hearing the flap of the sail
the creak of the mast in the mast-hold,

and caring nothing for heat,
nothing for cold,
numb with a memory,

a sort of ecstasy of desolation,
a desire to return to the old
thunder and roar of the sea...

waiting to join Hector,
but I can not be slain,
I am immortal, invincible,

son of a Greek king;
did she taunt him then,
the little image,

fearless to plough the sea,
did she laugh to see her son,
entrapped in the armoury

of iron and ruin?
did she come,
his eidolon?

H.D., Helen in Egypt, New Directions, s.d. (1961, 1ªed.)

The Widow's Lament In Springtime

Sorrow is my own yard
where the new grass
flames as it has flamed
often before but not
with the cold fire
that closes round me this year.
Thirty five years
I lived with my husband.
the plumtree is white today
with masses of flowers.
Masses of flowers
load the cherry branches
and color some bushes
yellow and some red
but the grief in my heart
is stronger than they
for though they were my joy
formerly, today I notice them
and turn away forgetting.
Today my son told me
that in the meadows,
at the edge of the heavy woods
in the distance, he saw
trees of white flowers.
I feel that I would like
to go there
and fall into those flowers
and sink into the marsh near them.


William Carlos Williams, Antologia Breve, Assírio & Alvim, 1995.

A Sul de Nenhum Norte

Está aí o número 4. É descarregar!

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Coetzee sobre Walser

"On Christmas Day, 1956, the police of the town of Herisau in eastern Switzerland were called out: children had stumbled upon the body of a man, frozen to death, in a snowy field. Arriving at the scene, the police took photographs and had the body removed.

The dead man was easily identified: Robert Walser, aged seventy-eight, missing from a local mental hospital. In his earlier years Walser had won something of a reputation, in Switzerland and even in Germany, as a writer. Some of his books were still in print; there had even been a biography of him published. During a quarter of a century in mental institutions, however, his own writing had dried up. Long country walks—like the one on which he had died—had been his main recreation."

Continuar a ler aqui.

Arrival

And yet one arrives somehow,
finds himself loosening the hooks of
her dress
in a strange bedroom -
feels the autumn
dropping its silk and linen leaves
about her ankles.
The tawdry veined body emerges
twisted upon itself
like a winter wind...!


William Carlos Williams, Antologia Breve, Assírio & Alvim, 1995.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Como é bem sabido, Ésquilo era comuna

Coro (cantando)

Um tremor apodera-se de mim ao escutar estes votos:

há muito que tarda o destino,

mas talvez venha em resposta a estas preces.


Ésquilo, Coéforas, 463-4


Estas palavras só poderiam ser ditas por um verdadeiro marxista: alguém que sabe que o destino chegará, que é irresistível e inevitável, só está é um bocadinho atrasado. Aliás, o Coro de escravas que verte librações e reza para ressuscitar o seu senhor é uma ritualização mal disfarçada do Avante pós-Cunhal. Mas parece-me algo forçada a posição de alguns críticos (como Goldhill, Vernant e Pitta) de ler no passo uma alusão ao referendo grego e às oportunidades que este representa para uma certa esquerda neo-pericleana. E já que falamos de Ésquilo.

It is impossible

It is impossible to achieve greatness in one's own time. Greatness makes itself known only to descendents, for whom such a quality is always located in the past (it turns into a distanced image); it has become an object of memory and not a living object that one can see and touch. In the genre of "memorial," the poet constructs his image in the future and distant plane of his descendents (cf. the inscriptions of oriental despots and of Augustus). In the world of memory, a phenomenon exists in its own peculiar context, with its own special rules, subject to conditions quite different from those we meet in the world we see with our own eyes, the world of practice and familiar contact.

M. M. Bakhtin, The Dialogic Imagination: Four Essays, Caryl Emerson & Michael Holquist (trads.), University of Texas Press, 1987.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

"Sangue do meu Sangue" de João Canijo, 2011

campos de ténis

os campos de ténis de outono
recordavam-lhe cartas de aniversário
redes pálidas correndo
contra crepúsculos de púrpura
e um tom cinzento pairando
sobre holofotes
casacos de lã
que a chuva do princípio
não aprenderá
a deixar intactos
alguma coisa
dividida entre
o fim e o novo
pequenas mortes
assinalam
outros tantos começos

na sombra que se projeta na parede
de sépia
há uma mulher que tece
uma trama de deixa
que o que desejo
por uma vez
prevaleça
e um pouco penélope
nos modos tímidos
plena de ardis, ela
imaginada por algum demiurgo
a queda dos seus ombros ao de leve
como a variação
da luz
sobre o teu rosto
lembrada talvez
para te entristecer
demasiado o coração

mas o teu olhar vagueia
nos papagaios do outono
dançando sobre os areais
dança de fios e cor
um cortar de vela
rápida garra
contra o vento
agudo como os gestos
dela
projetados na parede
sombra que se perde
num canto do lume

as mãos que tecem
destecem
as pequenas rosas do outono
o teu rosto
perdido no embaraço
de frases
que ferem devagar
que tecem destecem

mãos por baixo da mesa
uma sobre a outra
travando-se
o remorso surdo
esparso na noite lenta
chega-te como gritar
debaixo de água
uma vaga música
entretém tudo à superfície
é um lugar longe longe
o pensamento

e vai para outros lugares
muda-se para portões
que vasos de flores
travaram
o mar insinuado
abaixo dos telhados brancos
chega-te de novo
no gesto de raquete
cortando a bola
em cima da linha
o braço tenso
o movimento desacertado
a bola caindo
o movimento para desperdício
e morte
os pequenos erros
que não se perdoam

no outono
o jovem poeta
viu pela primeira vez
a sua amada numa escada
de uma velha casa em cambridge
havia luzes música
cocktails conversas pedantes
lanternas chinesas suspensas
por fios no ar
uma mulher
um pouco penélope
de olhos verdes cabelo dourado
que a um olá tímido
respondeu com sotaque americano

estas coisas que se adensam em nós aos poucos
se espessam no sangue
nos nossos pensamentos
nos ferem devagar
e definitivamente

Tatiana Faia