A linguagem perdeu a sua aptidão própria para a verdade e para a honestidade política ou pessoal. Vendeu, e vendeu ao desbarato, os seus mistérios de intuição profética e as suas capacidades de resposta à lembrança exacta. Na prosa de Kafka, na poesia de Paul Celan ou de Mandelstam, na linguística messiânica de Benjamin e na estética e na sociologia política de Adorno, a linguagem funciona, de maneira insegura, no gume cortante do silêncio. Agora sabemos que se a Palavra «era no princípio», também pode ser no fim: que existe um vocabulário e uma gramática dos campos da morte, que as detonações termo-nucleares podem ser designadas como «Operation Sunshine». Seria como se a quinta-essência, o atributo que identifica o homem - o Logos, o orgão da linguagem - se tivesse quebrado dentro das nossas bocas.
George Steiner, "Presenças Reais", in Paixão Intacta, Margarida Periquito e Victor Antunes (trads.), Relógio d'Água, p. 37
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