Agora, pela terceira vez desde que regressara do hospital, abriu o livro dela e leu a breve dedicatória da página de guarda. Escritas a tinta, em alemão, numa letra pequena, desesperadamente sincera, liam-se as palavras: «Meu Deus, a vida é um inferno.» Nada antes, nem nada a seguir. Solitárias na página, na quietude doentia do quarto, as palavras pareciam assumir a dimensão de uma máxima incontestável, clássica até. X ficou de olhos pregados na página durante vários minutos, tentando, contra ventos e marés, não ser arrastado. Depois, com uma maior determinação do que a que usara durante semanas , pegou num lápis e escreveu por baixo da dedicatória em inglês: «Pais e professores, ponho a questão "O que é o inferno?" Quanto a mim, é o sofrimento de ser incapaz de amar.» Começou a escrever o nome de Dostoievsky por baixo da frase, mas reparou - com um terror que lhe percorreu o corpo inteiro - que aquilo que escrevera era quase totalmente ilegível. Fechou o livro.
J. D. Salinger, Nove Contos, Difel, José Lima (trad.), 2005
J. D. Salinger, Nove Contos, Difel, José Lima (trad.), 2005
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