O arquivista de ofensas regista com agrado a corrupção da vida, que também a ele riscará do mundo, mas que do mesmo modo e sobretudo apagará todas as vilezas. A universalidade da morte corrige a da estupidez e a da maldade. Mas todo o livro escrito contra a vida, disse Thomas Mann, constitui uma sedução no sentido de a viver; por trás da persistente negação oposta por Thran à maldade das coisas há também um pudico amor pela realidade, pelo riso e pelas ruas que ele media com inabalável precisão. Talvez o amigo sincero da vida não seja o pretendente que a corteja com adulações sentimentais, mas o apaixonado infeliz e rejeitado que se sente expulso dela, escrevia Thran, como um velho móvel fora de moda.
Claudio Magris, Danúbio, Miguel Serras Pereira (trad.), Quetzal, 2010.
*Sim, é com trema, mas por questões de ordem técnica perdi o meu.
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