Gabava-se, com desprezo, de não ser um empregado, como se isso lhe garantisse uma especial autenticidade e como se as trocas de murros de Hemingway tivessem de ser, a priori, mais poéticas do que as tarefas de escritório despachadas por Kafka.
Utilizar o termo «empregado» como uma injúria não passa de uma vulgaridade banal: pelo menos Pessoa e Svevo teriam acolhido o empregado como um justo atributo do poeta. Este último não se parece com Aquiles ou Diomedes que se enfurecem nos seus carros de guerra, mas antes com Ulisses, que sabe não ser ninguém. A sua epifania é esta revelação da impessoalidade que o dissimula na prolixidade das coisas, como a viagem apaga o viandante no murmúrio do caminho. Kafka e Pessoa viajam até ao fim não de uma noite tenebrosa, mas de uma mediocridade incolor ainda mais inquietante, na qual damos conta de ser apenas um cabide da vida e no fundo da qual pode haver, graças a esta consciência, uma extrema resistência da verdade.
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