terça-feira, 1 de março de 2011

Don't explain



Caros senhores, a esta hora apetece-me perorar sobre esta música de Nina Simone, que na verdade e tanto quanto sei, foi primeiro cantada por Billie Holiday. Apetece-me perorar sobre ela como Cícero no exórdio do Pro Milone ou do Pro Archia. Mas sou desarmada pelo começo, o começo esmaga-me. Hush now, don't explain, there ain't nothing to gain. As coisas que mais verdadeiramente sentimos são as que confinam com o indizível, com o inexplicável. Também sobre isso é aquilo de que trata esse filme de Aronofsky, Black Swan. Daí também brotou a poesia, bela alegoria disso é a natureza tão dúplice de Apolo, deus de arco e lira. O que cura e mata, todas estas coisas que já alguém antes de mim notara.
O que dá cabo de mim a esta hora é aquele verso de Ruy Belo em Elogio de Maria Teresa, contigo fui cruel no dia a dia, tal como dito por Luís Miguel Cintra, as palavras lentas, arrastadas, pesando. Como se uma identidade mais verdadeira para o amor só se conquistasse a partir daí, por contigo ter sido cruel no dia a dia, Clara Rilke, escreveu Ruy Belo. Neste verso ele toca a natureza de uma coisa paradoxal, absurda, porque só as coisas absurdas podem ser absolutas, de outra forma explicar-se-ia o absoluto e ele estaria desmontado. É por isso que a poesia pode ser uma coisa total, é aí que está o seu poder e a sua possibilidade de nos mover. Aristóteles escreveu as pessoas são de um modo geral estúpidas, mas sempre as arrasta o belo. Eu penso que ele o diz sem crueldade. Que o diz com o espírito de dissecador de rãs que era. Nina Simone, a cantar esta música, não precisou de dar uma volta tão grande. Hush now, don't explain, there ain't nothing gain, I'm glad that you're back, don't explain. Alguém fora cruel com ela no dia a dia. Mas ela já estava para lá disso. Sei que já li poemas com essa mesma coreografia. Pensei que Ovídio, na minha metamorfose favorita, arrastou o indizível até à corporização da metáfora, uma mulher que por causa de uma brisa o próprio amante com um dardo trespassa e no último sopro que exala ela própria em brisa se converte. Suck that, Aristotle.

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