sexta-feira, 25 de março de 2011

Saudades de Jerusalém

Penso que, na saudade que podemos guardar de uma pessoa, de um lugar, de uma circunstância, de uma coisa, há dois tipos de sentimento que nela se contêm. Um é uma espécie de nostalgia, que é uma palavra que à letra significa dor do regresso, que guardamos das coisas, outro é a nossa solidão, uma solidão como uma espécie de nudez, perante elas. Na nostalgia está o inevitável desejo de regressar a uma coisa que está num lugar irreversível, porque o tempo sobre ela lançou negra mão, perdeu-se, não regressa sobre a forma como ainda a queremos. Na parte de solidão estão duas coisas, este modo de cantar em silêncio, para nós, privadamente, a elegia que guardamos para aquilo que nos falta, é aquilo que nos falta que é o objecto da nossa saudade, sempre, mas também o termos ficado sós do que se perdeu: alguém que deixa de fumar e que sente falta não só do tempo em que fumava mas da companhia do tabaco; o amado, que mesmo partindo por um espaço de tempo muito curto, de quem temos saudade porque temos solidão; uma pessoa cuja companhia amámos e se perdeu; uma cidade e o tempo em que nela vivemos e que para nós se perdeu, a nossa solidão de uma cidade.
Quando falamos da saudade que um Judeu de Alexandria no séc. I podia sentir de Jerusalém, lembro-me daquelas palavras que Fílon de Alexandria põe na boca, salvo o erro de José, no De Iosepho, em que o faz dizer eu pertenço a Deus. Penso que um homem que possa dizer isto, e cada um tem a sua forma privada de deus, não necessariamente coincidente com o Deus de Israel, pode ser deus um livro, ou o amor a um detalhe, ou a alguém, ou num poema esconder-se deus, ou simplesmente no hábito de fazer alguma coisa todos os dias, admitamos que deus pode ser muitas coisas e muitas delas muito profanas, muito pagãs, não poderia acreditar num deus que não dançasse, dizia o outro, admitamos que qualquer homem possa dizer eu pertenço a deus.
Esta ideia, eu pertenço a alguma coisa, penso que para o judeu grego de Alexandria o eximia para sempre da saudade de Jerusalém, porque pertencendo a deus, só estaria só se esse deus lhe dissesse pessoalmente, ou de forma muito veemente lhe mostrasse que, tu estás só. Assim sendo, e com uma eventual falha neste argumento, Jerusalém é uma cidade construída no coração do sábio de Alexandria, mais do que o lugar aonde ele precise de ir. Porque Jerusalém é o lugar de Deus e ele pertence a Deus. A sua pátria pode ser uma cidade grega à vontade, porque a cidade-mãe é e não é a cidade do Templo, haverá sempre o Templo e a cidade onde regressar enquanto ele pertencer a Deus, Deus garantirá que assim seja. Por isso acho que no Salmo 137 quando se diz mais coisa menos coisa se eu te esquecer Jerusalém que apodreça a minha mão direita, que a minha língua se cole ao palato, se eu não te elevar acima da minha maior alegria, Jerusalém. Não é sobre uma cidade de pedra que estas frases são ditas. Então, somos livres nas coisas que mais determinadamente amamos, naquelas para as quais reservamos uma saudade constante mas também uma saudade que é impossível de saldar.

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