sábado, 19 de março de 2011

A terra que é sempre tão difícil

Não olhava para ninguém. Contrita como no dia em que no meio de todo o mundo tudo o que tinha bolsa caíra no chão e tudo o que tivera valor enquanto secreto na bolsa, ao ser exposto na poeira da rua, revelara a mesquinharia de uma vida íntima de precauções: pó-de-arroz, recibo, caneta-tinteiro, ela recolhendo do meio-fio os andaimes da sua vida. Levantou-se do banco estonteada como se estivesse se sacudindo de um atropelamento. Embora ninguém estivesse a prestar atenção, fazia o possível para que ninguém percebesse que estava fraca e difamada, protegia com altivez os ossos quebrados. Mas o céu lhe rodava no estômago vazio; a terra, que subia e descia a seus olhos, ficava por momentos distante, a terra que é sempre tão difícil.


Clarice Lispector, "O Búfalo", Laços de Família, Livros Cotovia, 2008

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