quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Nota bene: isto não é um ensaio.

Se Sacheverell Sitwell pode dizer (no primeiro verso do The Farnese Hercules) que heroes out of music born, se é possível contrapor uma negativa a qualquer afirmativa, então também é possível dizer o contrário, que os heróis morrem de música. Isto é, do que primordialmente, dessa maneira grega, é música - poesia. Ou puxar a negatividade um pouco mais, dizer, os anti-heróis morrem de música. Os Apolos nascem à luz da música. Os Dionisos cumprem-se na música que morre, não só morrem de música, são a morte pela música, porque dizem essa possibilidade. Os Apolos são (isso - apolíneos) belos, altos, de largos ombros, de uma sensualidade luminosa, uma espécie de Leonard Cohens. Os Dionisos passam rápido, são inexplicavelmente sedutores, marginais, deixam-nos encandeados na luz, vagamente estonteados e desaparecem espectacularmente em seguida, not with a bang, são Tom Waitses.

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Mas se Sacheverell Sitwell pode dizer isto, os heróis nascem de música, que faremos com os Aquiles? Que ao mesmo tempo, como numa moeda de duas faces, nascem e morrem a partir de música. Porque é o canto que os faz e ao mesmo tempo os desfaz. Aquiles para mim nasce tardiamente, naquele passo do canto IX em que ele está para lá na tenda a coçar a micose com a harpa de um lado, o Menecida do outro e vem de lá Ulisses e ele diz-lhe (uma coisa que talvez só Yeats viria mais tarde a imitar num poema chamado No Second Troy), ele diz-lhe,

porque raio haviam os Gregos de vir das costas da Hélade, não tinham eles mulheres que chegassem por lá, tinham de vir atrás de uma só? Também eu tinha uma mulher e amava-a, embora (topem a conotação sexual implícita) ela fosse só a captiva da minha lança.

E não me lembro do que lhe responde Ulisses, porque um tipo quando ouve uma destas deve é engolir em seco, mas era um sofista o Ulisses e palheta não lhe faltava, pelo que Aquiles não deve ter ficado sem resposta, mas como estava a dizer, Aquiles, para mim, começa aqui. Isto acontece porque (esta é a resposta fácil, mas não me apetece escavar agora isto e isto é um post, keep it simple) quando Aquiles diz isto o que nós temos é o corte definitivo de um laço, o laço com os Gregos, com a pólis a que ele pertence, i.e., aquele maralhal todo que está acampado nas costas de Tróia. E isto é dionísiaco, porque a hybris tem de ser dionísiaca ou não é hybris, qualquer coisa tão forte e tão fora do nosso controlo que convoca essa coisa que Ésquilo viria a definir mais tarde quando numa tragédia perdida um seu Aquiles aparece a dizer: sinto-me como a águia que vê que a seta que a trespassa traz uma pena da sua própria asa (Achilles commenting live on the death of Patroclus). Onde cessa de haver um laço há uma morte implícita. E isto é sempre. Em tudo. Mas já estou a divagar demais. É um pouco mais simples. Aquiles nasce de música por esse velho tema do ficar famosa pelo canto. O que ele é, é feito de música. Ele - ele de facto - morre de música porque é preciso que ele seja uma breuis lux para ser digno de canto. Mas ele, no cerne da Ilíada, de harpa em mãos a cantar, é uma forma de atónito, o indizível a afagar-te a testa, a gozar contigo. Que disse Homero quando disse isso é outra coisa ainda.

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