Por vezes a mera evocação força-nos a recordar uma coisa que para nós não existe e a sua consequente descrição. Talvez isto seja uma definição apta de imaginação ou talvez devesse servir para ser a evocação sem melancolia de coisas que nunca veremos, que passaram ou que estão fora do nosso tempo já. Assim Agustina Bessa-Luís, quando evoca Frederico de Montefeltro em Embaixada a Calígula e dele diz: «Este Frederico de Montefeltro, Duque de Urbino, com o seu olho de rapina e a tez de mouro, foi com certeza alguém que levou preocupações aos cidadãos pisanos...» Este é também um exercício de rigor, de contenção, como se nestas duas linhas se pudesse guardar o que é vital sobre o carácter de um homem pela mera alusão a um modo de olhar ou à cor de uma tez. Pensei que assim somos muito exíguos às vezes. Um curto espaço de tempo e emoção, no caso do Duque de Urbino nem sequer belo. Mas sem melancolia, como se não nos aproximássemos muito do espelho e deste modo a desilusão, a dissolução não fossem nunca possíveis ou fossem intimamente sentidas como um pequeno golpe de coração, só a mim isto aconteceu, a mais ninguém, tu nunca o saberás. Assim fica Frederico de Montefeltro, Duque de Urbino, pendurado num quadro de museu em Florença, ninguém poderia já dizer quantas dores de cabeça trouxe ele aos pisanos. A compensação é que penso que até no quadro, quando já nada se pode saber, ele continua a ser aquilo que foi, ou uma réstia do que. E ser aquilo que foi é literatura, mais do que é história. Como na descrição feita duas ou três páginas antes de uma outra personagem que penso que interessou muito mais a Agustina do que Frederico de Montefeltro, Savonarola, de quem ela escreveu: «Pode-se dizer que a Renascença inteira teve uma parte de inspiração, não nas palavras, mas na força desesperada de Savonarola.»
E não me importa que esta definição (porque não é uma afirmação sobre) de Savonarola seja discutível ou não. Quem poderia querer definir com argumentável precisão o que seja uma força desesperada?
* Sempre quis fazer um post cujo título fosse o nome deste senhor e o seu perfil de nariz adunco. Uma destas duas coisas não era possível, enfim.
E não me importa que esta definição (porque não é uma afirmação sobre) de Savonarola seja discutível ou não. Quem poderia querer definir com argumentável precisão o que seja uma força desesperada?
* Sempre quis fazer um post cujo título fosse o nome deste senhor e o seu perfil de nariz adunco. Uma destas duas coisas não era possível, enfim.
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