Uma vez ouvi uma entrevista, penso que de Dylan Thomas, em que ele dizia que era de desconfiar de todo o jovem poeta que dissesse que escrevia por sentir ter alguma coisa a dizer ao mundo. Porque ter alguma coisa a dizer era secundário, a primeira coisa era sempre a alegria de juntar palavras, de ver o que acontecia quando determinadas palavras eram colocadas lado a lado. A imagem que me ocorreu foi a de Penélope ao tear, juntando muitos e coloridos fios, fazendo e desfazendo até ao infinito a sua teia.
A entrevista de Dylan Thomas recordou-me uma outra, de Borges, dada à Paris Review, em que o autor dizia que a poesia é uma coisa anterior à inteligência. Comparando Frost e Eliot, Borges dizia que achava o primeiro melhor poeta do que o segundo, ainda que o segundo fosse um poeta mais inteligente.
Creio que o que Borges queria dizer (e penso até que isso é verbalizado nessa mesma entrevista, que pode ser lida no volume de entrevistas da Paris Review publicado pela Tinta-da-China) não é, evidentemente, que não houvesse espaço para inteligência em poesia, é que a poesia era uma coisa anterior a isso. Penso que esta ideia é já muito antiga, é intrínseca aos poemas homéricos e, de forma mais vaga e mais difícil de explicar, aos primeiros livros da Bíblia, está implícita na teorização de Platão sobre poesia na República (o poder pressentido que faz Platão considerar a poesia algo de perigoso) e é confirmada talvez pela argumentação de Lukács em certos passos da Teoria do Romance, quando ele descreve porque é que a filosofia vem dar o golpe final na possibilidade da épica.
É deste fascínio, que Borges fala, quando diz: But I would like to make it clear that if any ideas are to be found in what I write, those ideas came after the writing. I mean, I began by the writing, I began by the story, I began with the dream, if you want to call it that. And then afterwards, perhaps, some idea came of it. But I didn’t begin, as I say, by the moral and then writing a fable to prove it.
As palavras de Dylan Thomas, no entanto, falam de oficina. Do poeta enquanto criador, só depois dessa primeira prova, talvez, é que podemos ver se há alguma coisa a ser dita, alguma coisa que valha a pena ser ouvida por alguém. Tentei opor exemplos às palavras de Dylan Thomas, exemplos que as refutassem. Lembrei-me de Brecht e da sua poesia mais comprometida - campo por excelência do querer dizer alguma coisa. Mas depois pensei num poema chamado «Recordando Marie A.» que, entre outros, demonstra que também em Brecht está a primeira, anterior à inteligência, necessária alegria de juntar palavras. Pensei então em dois versos de um livro que li esta semana: Beyond the beastly din, beyond human vanity,/ find words the way one finds blackberries in the woods. Milan Djordjevic. Encontrar palavras como quem encontra amoras pelos bosques, tacteando o que quer encontrar por entre espinhos. A conclusão a que quero chegar é evidentemente a de que Dylan Thomas e Milan Djordjevic falavam ambos do mesmo. I am a gatherer of fruit, escrevia Lawrence Ferlinghetti noutro poema. E é isto.
A entrevista de Dylan Thomas recordou-me uma outra, de Borges, dada à Paris Review, em que o autor dizia que a poesia é uma coisa anterior à inteligência. Comparando Frost e Eliot, Borges dizia que achava o primeiro melhor poeta do que o segundo, ainda que o segundo fosse um poeta mais inteligente.
Creio que o que Borges queria dizer (e penso até que isso é verbalizado nessa mesma entrevista, que pode ser lida no volume de entrevistas da Paris Review publicado pela Tinta-da-China) não é, evidentemente, que não houvesse espaço para inteligência em poesia, é que a poesia era uma coisa anterior a isso. Penso que esta ideia é já muito antiga, é intrínseca aos poemas homéricos e, de forma mais vaga e mais difícil de explicar, aos primeiros livros da Bíblia, está implícita na teorização de Platão sobre poesia na República (o poder pressentido que faz Platão considerar a poesia algo de perigoso) e é confirmada talvez pela argumentação de Lukács em certos passos da Teoria do Romance, quando ele descreve porque é que a filosofia vem dar o golpe final na possibilidade da épica.
É deste fascínio, que Borges fala, quando diz: But I would like to make it clear that if any ideas are to be found in what I write, those ideas came after the writing. I mean, I began by the writing, I began by the story, I began with the dream, if you want to call it that. And then afterwards, perhaps, some idea came of it. But I didn’t begin, as I say, by the moral and then writing a fable to prove it.
As palavras de Dylan Thomas, no entanto, falam de oficina. Do poeta enquanto criador, só depois dessa primeira prova, talvez, é que podemos ver se há alguma coisa a ser dita, alguma coisa que valha a pena ser ouvida por alguém. Tentei opor exemplos às palavras de Dylan Thomas, exemplos que as refutassem. Lembrei-me de Brecht e da sua poesia mais comprometida - campo por excelência do querer dizer alguma coisa. Mas depois pensei num poema chamado «Recordando Marie A.» que, entre outros, demonstra que também em Brecht está a primeira, anterior à inteligência, necessária alegria de juntar palavras. Pensei então em dois versos de um livro que li esta semana: Beyond the beastly din, beyond human vanity,/ find words the way one finds blackberries in the woods. Milan Djordjevic. Encontrar palavras como quem encontra amoras pelos bosques, tacteando o que quer encontrar por entre espinhos. A conclusão a que quero chegar é evidentemente a de que Dylan Thomas e Milan Djordjevic falavam ambos do mesmo. I am a gatherer of fruit, escrevia Lawrence Ferlinghetti noutro poema. E é isto.
Belo post, carambas. A entrevista do Borges está aqui:
ResponderEliminarhttp://www.theparisreview.org/interviews/4331/the-art-of-fiction-no-39-jorge-luis-borges
oh sankiu. fizeste-me corar que eu valorizo a tua opinião.
ResponderEliminar"... Encontrar palavras como quem encontra amoras pelos bosques, tacteando o que quer encontrar por entre espinhos..."
ResponderEliminarParabéns pelos deliciosos textos, tenho aprendido e tenho-me divertido! Quando escrevo também é com este sentimente, com este contento: "...Porque ter alguma coisa a dizer era secundário, a primeira coisa era sempre a alegria de juntar palavras, de ver o que acontecia quando determinadas palavras eram colocadas lado a lado."
Bj gde.