domingo, 20 de fevereiro de 2011

find words the way one finds blackberries in the woods

Uma vez ouvi uma entrevista, penso que de Dylan Thomas, em que ele dizia que era de desconfiar de todo o jovem poeta que dissesse que escrevia por sentir ter alguma coisa a dizer ao mundo. Porque ter alguma coisa a dizer era secundário, a primeira coisa era sempre a alegria de juntar palavras, de ver o que acontecia quando determinadas palavras eram colocadas lado a lado. A imagem que me ocorreu foi a de Penélope ao tear, juntando muitos e coloridos fios, fazendo e desfazendo até ao infinito a sua teia.
A entrevista de Dylan Thomas recordou-me uma outra, de Borges, dada à Paris Review, em que o autor dizia que a poesia é uma coisa anterior à inteligência. Comparando Frost e Eliot, Borges dizia que achava o primeiro melhor poeta do que o segundo, ainda que o segundo fosse um poeta mais inteligente.
Creio que o que Borges queria dizer (e penso até que isso é verbalizado nessa mesma entrevista, que pode ser lida no volume de entrevistas da Paris Review publicado pela Tinta-da-China) não é, evidentemente, que não houvesse espaço para inteligência em poesia, é que a poesia era uma coisa anterior a isso. Penso que esta ideia é já muito antiga, é intrínseca aos poemas homéricos e, de forma mais vaga e mais difícil de explicar, aos primeiros livros da Bíblia, está implícita na teorização de Platão sobre poesia na República (o poder pressentido que faz Platão considerar a poesia algo de perigoso) e é confirmada talvez pela argumentação de Lukács em certos passos da Teoria do Romance, quando ele descreve porque é que a filosofia vem dar o golpe final na possibilidade da épica.
É deste fascínio, que Borges fala, quando diz: But I would like to make it clear that if any ideas are to be found in what I write, those ideas came after the writing. I mean, I began by the writing, I began by the story, I began with the dream, if you want to call it that. And then afterwards, perhaps, some idea came of it. But I didn’t begin, as I say, by the moral and then writing a fable to prove it.
As palavras de Dylan Thomas, no entanto, falam de oficina. Do poeta enquanto criador, só depois dessa primeira prova, talvez, é que podemos ver se há alguma coisa a ser dita, alguma coisa que valha a pena ser ouvida por alguém. Tentei opor exemplos às palavras de Dylan Thomas, exemplos que as refutassem. Lembrei-me de Brecht e da sua poesia mais comprometida - campo por excelência do querer dizer alguma coisa. Mas depois pensei num poema chamado «Recordando Marie A.» que, entre outros, demonstra que também em Brecht está a primeira, anterior à inteligência, necessária alegria de juntar palavras. Pensei então em dois versos de um livro que li esta semana: Beyond the beastly din, beyond human vanity,/ find words the way one finds blackberries in the woods. Milan Djordjevic. Encontrar palavras como quem encontra amoras pelos bosques, tacteando o que quer encontrar por entre espinhos. A conclusão a que quero chegar é evidentemente a de que Dylan Thomas e Milan Djordjevic falavam ambos do mesmo. I am a gatherer of fruit, escrevia Lawrence Ferlinghetti noutro poema. E é isto.

3 comentários:

  1. Belo post, carambas. A entrevista do Borges está aqui:
    http://www.theparisreview.org/interviews/4331/the-art-of-fiction-no-39-jorge-luis-borges

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  2. oh sankiu. fizeste-me corar que eu valorizo a tua opinião.

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  3. "... Encontrar palavras como quem encontra amoras pelos bosques, tacteando o que quer encontrar por entre espinhos..."
    Parabéns pelos deliciosos textos, tenho aprendido e tenho-me divertido! Quando escrevo também é com este sentimente, com este contento: "...Porque ter alguma coisa a dizer era secundário, a primeira coisa era sempre a alegria de juntar palavras, de ver o que acontecia quando determinadas palavras eram colocadas lado a lado."
    Bj gde.

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