quarta-feira, 27 de outubro de 2010
terça-feira, 26 de outubro de 2010
Apontamentos, um post grande
Diz que D. João V gostava de fazer as coisas em grande. No que toca a embaixadas, ficou famosa a que enviou ao Papa Clemente XI, entre 1712 e 1718, encabeçada num primeiro momento por Rodrigo de Meneses, marquês de Fontes, e na recta final por André de Mello e Castro, que mais tarde seria conde de Galveias e Vice-Rei do Brasil.
But I digress. Convém só dizer que o Mello e Castro estava já em Roma antes mesmo de começar oficialmente a embaixada, como enviado especial, a tentar arranjar maneira de compensar o orgulho ferido do monarca - por não ter conseguido meter o bedelho diplomático na salganhada do rescaldo da Guerra da Sucessão Espanhola - com qualquer coisa jeitosa e que brilhasse, tipo a promoção da diocese de Lisboa a igreja patriarcal, o que a bem dizer dá sempre jeito. Algo assim.
But I digress. O essencial é que o tal Mello e Castro vivia ao pé da Piazza Argentina, actual Largo di Torre Argentina (nada a ver com o país, parece que vivia lá um mestre de cerimónias papal chamado Giovanni Burcardo -vá-se lá saber o nome verdadeiro do homem - que era de Estrasburgo, aka Argentoratum), onde há ainda hoje um certo Teatro Argentina (falta de imaginação).
But I digress. O que é mesmo importante é que parece que esse teatro só foi inaugurado em 1732 mas que antes havia aí alguma coisa vagamente reminiscente de um teatro. Ora, tendo em mente a má fama de tais casas por essa altura, sou capaz de começar a pensar que o pré-conde de Galveias era, afinal, um pândego, se tiver também em conta que o dito organizou uma série de festas e espétaculos na tal espécie de teatro pelos anos em que pedinchava um patriarcado ao papa.
But I digress. O busílis está no facto que sua Excelência o Enviado Especial quase Embaixador gostava de convidar os amigos todos para esses eventos - leia-se, tudo o que fosse português e se encontrasse em Roma ou lá perto - , naturalmente implicando-se uma borla. E mais: fazia saber por todos os meios possíveis a sua nobre e patriótica intenção. Era só aparecer à porta, explicar que se era português, e entrar.
O desfecho, como seria aliás de se prever, é que Roma no século XVIII revelou ter mais portugueses do que Paris em 69 ou Lisboa anteontem. Não invejo o porteiro que teve que aturar infinitos "ma' io sou potoghesh! Lisboa! Amália! Mourinho! Cucujães!" versão barroco tardio a resvalar para o neoclássico.
Um par de séculos depois, a expressão "fare il portoghese", em italiano corrente, quer dizer "entrar nalgum sítio sem pagar", ou em vernáculo do nosso: "ser penetra". Note-se, "fare il" tanto pode signicar "fingir ser" como "ter por profissão", como em "babbo fa il CEO di Microsoft". But I digress.
O que queria mesmo dizer é que um bocadinho de erudição poupa muito dinheiro no psiquiatra ou no bar da esquina quando se é um português que 1) vive em Bolonha 2) anda sempre de autocarro sem passe ou bilhete 3) lê isto no jornal local.
But I digress. Convém só dizer que o Mello e Castro estava já em Roma antes mesmo de começar oficialmente a embaixada, como enviado especial, a tentar arranjar maneira de compensar o orgulho ferido do monarca - por não ter conseguido meter o bedelho diplomático na salganhada do rescaldo da Guerra da Sucessão Espanhola - com qualquer coisa jeitosa e que brilhasse, tipo a promoção da diocese de Lisboa a igreja patriarcal, o que a bem dizer dá sempre jeito. Algo assim.
But I digress. O essencial é que o tal Mello e Castro vivia ao pé da Piazza Argentina, actual Largo di Torre Argentina (nada a ver com o país, parece que vivia lá um mestre de cerimónias papal chamado Giovanni Burcardo -vá-se lá saber o nome verdadeiro do homem - que era de Estrasburgo, aka Argentoratum), onde há ainda hoje um certo Teatro Argentina (falta de imaginação).
But I digress. O que é mesmo importante é que parece que esse teatro só foi inaugurado em 1732 mas que antes havia aí alguma coisa vagamente reminiscente de um teatro. Ora, tendo em mente a má fama de tais casas por essa altura, sou capaz de começar a pensar que o pré-conde de Galveias era, afinal, um pândego, se tiver também em conta que o dito organizou uma série de festas e espétaculos na tal espécie de teatro pelos anos em que pedinchava um patriarcado ao papa.
But I digress. O busílis está no facto que sua Excelência o Enviado Especial quase Embaixador gostava de convidar os amigos todos para esses eventos - leia-se, tudo o que fosse português e se encontrasse em Roma ou lá perto - , naturalmente implicando-se uma borla. E mais: fazia saber por todos os meios possíveis a sua nobre e patriótica intenção. Era só aparecer à porta, explicar que se era português, e entrar.
O desfecho, como seria aliás de se prever, é que Roma no século XVIII revelou ter mais portugueses do que Paris em 69 ou Lisboa anteontem. Não invejo o porteiro que teve que aturar infinitos "ma' io sou potoghesh! Lisboa! Amália! Mourinho! Cucujães!" versão barroco tardio a resvalar para o neoclássico.
Um par de séculos depois, a expressão "fare il portoghese", em italiano corrente, quer dizer "entrar nalgum sítio sem pagar", ou em vernáculo do nosso: "ser penetra". Note-se, "fare il" tanto pode signicar "fingir ser" como "ter por profissão", como em "babbo fa il CEO di Microsoft". But I digress.
O que queria mesmo dizer é que um bocadinho de erudição poupa muito dinheiro no psiquiatra ou no bar da esquina quando se é um português que 1) vive em Bolonha 2) anda sempre de autocarro sem passe ou bilhete 3) lê isto no jornal local.
El Portava i Scarp del Tennis
O indivíduo que canta - em dialecto milanês - licenciou-se em medicina na Universidade de Milão em 1954, tendo de seguida emigrado para a África do Sul onde se especializou em cardiologia. Já na Cidade do Cabo veio a integrar a equipa de Christiaan Barnard, autor do primeiro transplante de coração. Após um breve período nos Estados Unidos, regressou a Itália para gravar 28 álbuns. É cinturão negro de karaté.
segunda-feira, 25 de outubro de 2010
E recordei-me de quantas vezes
Segui a pé, de sombrinha aberta, na direcção das escadas que os relâmpagos mostravam para tudo recair depois numa noite triste e enervada. O aparelho correu ao longo da pista quase sem luzes e ergueu-se acima da nódoa opaca do mar. Quer dizer: não se topava o que quer que fosse salvo o reflexo de nós próprios nas janelas mas eu sabia que era o mar, e recordei-me de quantas vezes, em pequeno, olhei aquelas ondas a lembrar-me de Goa.
António Lobo Antunes*, As Naus, D. Quixote, 2006
*a.k.a. «the big dark giant Lobos (sic) Antunes», como lhe chamou Steiner, quando há um ano atrás falou na sua cerimónia de doutoramento honoris causa da U.L. A primeira frase deste excerto das naus lembra-me uma cena do The Big Sleep.
(kaddish)
Ei-los. Aí jazem
Os meus frente ao tempo,
Terra na terra,
Esquecimento no esquecimento.
Foram matéria e vida para ti,
Eles formaram parte da tua trama,
Da rede que te expressa e que tecemos
Com esses fios frágeis
Que a morte quebra
Com o menor puxão das suas rudes mãos.
Acolhe-os, Senhor, em teu regaço,
Nessa tua matriz a que tudo regressa.
José Luis Puerto, Protecção das Sílabas: Antologia Poética, Licorne, 2010
Os meus frente ao tempo,
Terra na terra,
Esquecimento no esquecimento.
Foram matéria e vida para ti,
Eles formaram parte da tua trama,
Da rede que te expressa e que tecemos
Com esses fios frágeis
Que a morte quebra
Com o menor puxão das suas rudes mãos.
Acolhe-os, Senhor, em teu regaço,
Nessa tua matriz a que tudo regressa.
José Luis Puerto, Protecção das Sílabas: Antologia Poética, Licorne, 2010
domingo, 24 de outubro de 2010
Ítaca, n.º 2
A todos os que ontem estiveram presentes no lançamento da Ítaca e encheram as salas da Livraria Fábrica Braço de Prata, a todos os que divulgaram o lançamento, a todos os que connosco fazem e acreditam neste projecto: muito obrigada.
Mais novidades em breve...
sábado, 23 de outubro de 2010
sexta-feira, 22 de outubro de 2010
Atravessaram as cidades
Atravessaram as cidades:
Procuraram o lugar em que os deuses
Escondem o segredo da felicidade.
Só encontraram cinzas
Perpétuos labirintos em que tudo se esfuma.
José Luis Puerto, Protecção das Sílabas: Antologia Poética, Manuel Silva-Terra (trad.), Licorne, 2010
Procuraram o lugar em que os deuses
Escondem o segredo da felicidade.
Só encontraram cinzas
Perpétuos labirintos em que tudo se esfuma.
José Luis Puerto, Protecção das Sílabas: Antologia Poética, Manuel Silva-Terra (trad.), Licorne, 2010
Tão estranha
Tão estranha pra mim
esta rosa, este doce brotar
esta ausência pensativa
ou luz sobre uma face que se furta...
Como um dia de primavera
quando se pressente qualquer coisa e se prende bem
por um instante, um segundo
imutável
qualquer coisa que nunca será verão
Gunnar Ekelöf, Antologia Poética, Vasco Graça Moura (trad.), Quetzal Editores, 1992
esta rosa, este doce brotar
esta ausência pensativa
ou luz sobre uma face que se furta...
Como um dia de primavera
quando se pressente qualquer coisa e se prende bem
por um instante, um segundo
imutável
qualquer coisa que nunca será verão
Gunnar Ekelöf, Antologia Poética, Vasco Graça Moura (trad.), Quetzal Editores, 1992
quinta-feira, 21 de outubro de 2010
Fim
Cadmo trouxera para a Grécia «dádivas dotadas de mente»: vogais e consoantes unidas em sinais minúsculos, «modelo gravado de um silêncio que não se cala»: o alfabeto. Com o alfabeto, os Gregos passariam a ser ensinados a viver os deuses no silêncio da mente e não na sua presença plena e normal, como ainda lhe coubera a ele, no dia das suas núpcias. Pensou no seu reino destruído: filhas e netos assassinados e assinos, feridos com água fervente, trespassados, afogados. Tebas também era um montão de ruínas. Mas já ninguém podia destruir aquelas letras minúsculas, aquelas pegadas de mosca que Cadmo, o fenício, espalhara pela terra grega, para onde os ventos o tinham empurrado em busca de Europa, raptada por um touro surgido do mar.
Roberto Calasso, As Núpcias de Cadmo e Harmonia, Maria Jorge Vilar de Figueiredo (trad.), Livros Cotovia, 1990.
quarta-feira, 20 de outubro de 2010
segunda-feira, 18 de outubro de 2010
Um poema de Leónidas de Tarento
Um recurvo anzol e uma cana longa,
linha e cestos para os peixes,
este ardil imaginado para emboscar os peixes que nadam,
invenção de gente que pelos mares vagueia lançando rede,
um rude tridente, de Posídon arma,
e um par de remos, ao barco tirados.
Eis o que o pescador Diofante consagrou ao deus do seu ofício,
penhor de justiça, sinais de uma antiga servidão.
linha e cestos para os peixes,
este ardil imaginado para emboscar os peixes que nadam,
invenção de gente que pelos mares vagueia lançando rede,
um rude tridente, de Posídon arma,
e um par de remos, ao barco tirados.
Eis o que o pescador Diofante consagrou ao deus do seu ofício,
penhor de justiça, sinais de uma antiga servidão.
Cá fica um poema que na edição das Belles Lettres da Anthologie Grecque está incluído no vol. 3, onde se colige o Livro VI da Antologia Palatina. Muito honestamente (como diria o Chico), não estou com pachorra para copiar o texto grego, pelo que vocês terão de acreditar que a minha tradução é das boas ou confrontá-la com o supra-referido volume. Se me der ganas mais logo lá copiarei o texto grego. Mais vos aviso que não contem com a tradução de mais poemas votivos, que alguns são giros mas a maior parte sofre do problema de precisar de cento e oitenta mil notas para o que existe de belo neles ser revelado com a nitidez que merece (ou isso ou um tradutor menos canhestro do que eu) e com uma certa imediatez que a beleza existente num poema precisa para respirar.
A isto acresce o facto de me interessarem mais os Epigramas Báquicos, Satíricos e os poemas da Musa Paedika (quase basicamente as ordinarices, portanto), que são os que hão-de animar este blogue assim que o sacana que requisitou o Livro XII (tomo XI) o devolver à biblioteca ou assim que os gajos da Librairie Calepinus (La Librairie Latin-Grec) me fizerem chegar o meu.
P.S. Podem, contudo, contar com mais uns quantos poemas de Leónidas de Tarento (eu e ele vamos à bola), também conhecido como Leónidas o Tarantino, eventualmente um distinto antepassado do Quentin.
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